quarta-feira, 23 de abril de 2014

SÃO JORGE CHEGOU ATRASADO

Não sei se foi o inédito fechamento da Avenida Brasil ou a demolição inusitada da obra perfeita e acabada da Perimetral e sua substituição pelo indecifrável e intransponível binário (???), mas o fato é que o cavalo de São Jorge empacou e chegou atrasado ao Rio de Janeiro. Pois a batalha foi ontem... e o santo guerreiro se perdeu entre a Capadócia e a Cidade Maravilhosa, deixando Copacabana aos cuidados de São Sebastião que recebeu algumas flechadas adicionais e não evitou os tumultos que repercutiram mundo afora, atingindo a já abalada imagem da Cidade Olímpica. Hoje, nosso querido São Jorge pouco poderá fazer além de recolher as cinzas e destroços de uma noite sem precedentes, resultado da orquestração bem sucedida do crime organizado, sempre à espreita para aproveitar-se das debilidades de nossa política de segurança e utilizar-se de seus terroristas de aluguel para levar o horror à população que paga seus impostos em dia -  mas não vê muitos resultados na aplicação dos dinheiros públicos.
Na década dos 60 um amigo meu comprou um amplo apartamento na Rua Sá Ferreira, no quarteirão da praia, símbolo indesmentível de status e riqueza. Viveu ali muitos anos prósperos e felizes até que sua esposa faleceu. Nos trâmites do inventário, ao ter que pagar o imposto de transmissão do imóvel, verificou que o Estado lhe cobrava muito mais do que seria razoável, supervalorizando o bem. Pediu minha ajuda no sentido de avaliar o apartamento e eu o fiz, chegando à metade do valor que lhe fora atribuído pelo Estado. Aprendi então, ao abordar o caso específico dos imóveis da região, situados no entorno da favela do Pavão-Pavãozinho, que a vizinhança daquele mostrengo, dominado por traficantes e criminosos de todos os calibres, desvalorizava enormemente todas as propriedades atingidas pela metástase urbana causada pela favela. Até então, o investimento em imóveis era caracterizado pela baixa rentabilidade, a média liquidez e a elevada segurança. Com a favelização crescente, a cumplicidade dos políticos oportunistas e a desídia das autoridades, o investimento em imóveis perdeu seu ponto forte - a segurança - pois é bem possível que plantem uma favela em poucos dias ao lado de sua casa e seu patrimônio vá para o inferno. E isso era especialmente verdadeiro para a Cidade do Rio de Janeiro, em que o sucesso eleitoral dependia muito de relaxar na proibição da expansão das favelas, fornecer tijolos para a construção de barracos de alvenaria, asfaltar becos e vielas de terra.
Com a política de pacificação, as vizinhanças das favelas que iam  recebendo UPPs renasceram e passaram a viver melhores dias. Caíram rapidamente os índices locais de criminalidade e desapareceu o sentimento generalizado de insegurança. Meu amigo viu seu luxuoso apartamento recuperar parte substancial do valor original. Ipanema e principalmente  Copacabana foram beneficiadas pela volta aos velhos e  bons tempos.
Ontem, dia 22 de abril, data do Descobrimento do Brasil - lamentavelmente ignorada pela mídia e a opinião pública - a descoberta foi outra: a de que tudo pode voltar aos tempos em que a marginalidade imperava na Zona Sul do Rio de Janeiro. O crime organizado - que tem seus planejadores - está tentando retomar sua antiga  posição territorial de força, explorando os pontos fracos da política de segurança que precisa reagir rápida e vigorosamente.
Na Guerra do Vietnã, um dos principais fatores de enfraquecimento das forças aliadas dos norte-americanos era a inesperada insurreição de aldeias - outrora pacíficas ou neutras - que se aliavam aos vietcongues e aumentavam os territórios e efetivos comunistas da noite para o dia. Cientistas sociais americanos foram chamados a colaborar na guerra e o fizeram através de pesquisas que determinavam quando uma aldeia vietnamita típica se tornava prestes à insurreição. Os pesquisadores construíram uma taxonomia, com vários atributos e variáveis, das aldeias do Vietnã e determinavam quando a probabilidade de a população se aliar aos vietcongues assumia valores perigosos. Nesse momento era feita a intervenção adequada na comunidade de modo a reverter a expectativa. Creio que a inteligência da Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro deveria atuar nesse mesmo sentido em relação às favelas pacificadas. Caso contrário, a bandidagem em breve estará batendo às nossas portas e invadindo nossas praias. Literalmente. A não ser que o trânsito no Rio melhore (improvável!) e São Jorge chegue na hora certa para fazer o milagre de aniquilar o dragão do crime organizado de nossa pobre Cidade...
PS - Nas décadas de 50 e 60 moravam na Ladeira Saint  Roman - hoje acesso deprimido  à favela Pavão-Pavãozinho - algumas das famílias mais ricas do Brasil. Lembro de Azevedo Antunes, Juraci Magalhães e Levy Gasparian...


VIAGEM AO PASSADO

O Irã está na moda e minhas recordações daquele país mais vivas do que nunca... Estive no Irã em 1976, para participar da Conferência In...