segunda-feira, 20 de julho de 2015

EM RESPEITO AO CAGED

O desemprego, especialmente  ao atingir os trabalhadores mais humildes, é uma verdadeira desgraça. Quando fui Subsecretário Estadual de Trabalho e Renda do Rio de Janeiro recomendei que o Governo brasileiro encaminhasse à ONU uma proposta no sentido de que o índice de desemprego, tal a sua importância,  fosse considerado na mensuração do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). A proposta morreu no labirinto da burocracia de Brasília.
Os últimos resultados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) são altamente preocupantes. Corremos o risco de reproduzir, no mercado de trabalho, os enormes problemas vividos  a partir dos anos 80, mas principalmente ao longo dos anos 90, configurando  uma crise estrutural muito grave. Naquele período, segundo os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a ocupação no setor formal da economia caiu seguidamente ao longo de 1990 (menos 1.288.000 ou 5,3% de queda no ano, em um total de 24.487.000 empregos!), 1991 (menos 188 mil empregos) e 1992 (menos 738 mil empregos). No auge do problema, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a ocupação total no Brasil diminuiu em 1,6 milhão de trabalhadores de 1995 para 1996. Certos subsetores industriais sofreram um esvaziamento de graves proporções. A retomada, penosa, se fez em meio à persistência de graves distorções. Essa crise do mercado de trabalho na década dos 90 ocasionou um salto nas já então elevadas taxas de desemprego aberto. Ao mesmo tempo, foi acompanhada pelo crescimento, a níveis inaceitáveis, da informalidade, que se manteve intocada muitos anos. Problemas adicionais - gravíssimos - como o trabalho infantil e o trabalho escravo persistiram durante toda a década de 90 no País, que esteve sempre longe de proporcionar trabalho decente (na concepção adotada pela OIT) a todos os brasileiros. Finalmente, a crise culminou com a distribuição disfuncional da renda, apontando participação rapidamente decrescente do trabalho em benefício do capital.
Todas essas mazelas podem repetir-se. Em 2015 já foram fechados 345.417 empregos com carteira assinada. Nos últimos 12 meses já desapareceram 602 mil postos de trabalho e nesse período teríamos que, ao contrário, criar cerca de 1,4 milhão de empregos para atender aos jovens que querem começar a trabalhar. Em outras palavras, já  deixamos de criar 2 milhões de ocupações nos 12 meses precedentes! E o futuro parece prometer mais decepções: no período de janeiro a junho somente em março houve mais admissões do que demissões – um modesto saldo positivo de 19.282 postos de trabalho. Mas a partir daí a tendência tornou-se inquietante e estável: em abril fechamos 97.828 empregos; em maio eliminamos 115.599 e em junho  outros 111.199. Excetuando a Agropecuária, os demais setores naufragaram. Pior, a minha experiência mostra que a queda na Indústria – onde estão os empregos de melhor qualidade - puxa os demais setores logo a seguir e em junho  seu saldo negativo teve grande expressão: 64.228 industriários a menos.
Além  da redução da força de trabalho, outro fenômeno negativo se observa: para mesmas  ocupações, as novas admissões se fazem sistematicamente com salários menores. É a rotatividade típica das crises empresariais: reduzir custos para poder continuar  operando...
As informações mensais  contidas no (CAGED), enviadas pelas empresas  e processadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), são de inestimável valor estratégico, quando  analisadas e interpretadas adequadamente – especialmente pelos técnicos do governo, que têm acesso ilimitado a seus dados.  Em tempos de crise, são estatísticas extremamente preciosas para fins de diagnóstico macroeconômico e para a definição de políticas públicas nas áreas de formação e utilização de mão de obra. E para providências corretivas de curto e médio prazo.

Em vez de fazer uma análise fidedigna dos resultados do CAGED para apresentá-la à opinião pública, elucidando-a, a equipe de redatores do site do Ministério de Trabalho busca seus poucos (e são muito poucos!) aspectos positivos e faz uma exposição rósea da situação. Só por esse motivo redigi este blog: considero o CAGED algo muito importante, que merece respeito, especialmente das autoridades responsáveis (???).

quinta-feira, 9 de julho de 2015

EM FAVOR DO PROFESSOR DE FAMÍLIA

No Brasil há milhões de crianças e adolescentes como o filipino Daniel, sem condições mínimas para permitir-lhes uma trajetória escolar normal. Caso tais problemas não sejam ultrapassados, esses brasileirinhos continuarão a engrossar futuramente as fileiras do analfabetismo funcional ou serão aqueles trabalhadores incapazes de fazer cálculos rudimentares ou de ler  e entender uma folha de instruções simples, impossibilitados por isso de  acompanhar os cursos de qualificação profissional que lhes são ofertados.
Mas agora surge uma esperança pois dentre as várias ideias interessantes contidas no documento PÁTRIA EDUCADORA, de autoria da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República), está a proposta de um tratamento especial a ser dispensado aos alunos carentes desde o início de sua vida escolar, de modo a dotá-los  das capacitações porventura faltantes, que por isso inibem seu sucesso nos estudos.
Já trabalhei anteriormente sobre esse tema, o qual sempre foi – desde os meus tempos de IPEA - uma preocupação, quando se objetiva  democratizar oportunidades por meio da educação.  Há 50 anos eu já citava um trabalho lapidar de Alfred Sauvy, mostrando as diferenças de aproveitamento escolar, em 1944, dos estudantes franceses das primeiras séries, agrupados segundo a profissão dos pais - um forte indicador de classe socieconômica.  Logo no ingresso no ensino formal constatava-se uma grande diferença de rendimento, por exemplo, entre os grupos situados nos extremos superior e inferior – respectivamente filhos de profissionais liberais e filhos de camponeses - o mesmo ocorrendo em menor escala com os estratos intermediários (filhos de trabalhadores em serviços, filhos de operários da indústria etc). Nas séries seguintes, à medida que a ação da escola se fazia sentir sobre os estudantes, essas diferenças de performance  entre grupos  iam se reduzindo. Depois de alguns anos de exposição à boa educação já não havia distinções segundo o grupo, prevalecendo apenas as diferenças individuais. Uma prova contundente do papel democratizante da escola... de qualidade! Algo que ainda não temos para todos os brasileiros...
A educação é assim um direito humano que amplia a capacidade de todas as pessoas se realizarem integralmente, em todas as dimensões. E educação se faz por meio da intervenção em dois domínios: 1. o domínio educacional propriamente dito, mais restrito, que se concretiza no chamado “âmbito pedagógico”;  2.  os domínios econômico, cultural  e social, bastante amplos,  que são os determinantes de caráter estrutural. Dentre as causas das desigualdades de oportunidades educativas estão certamente  as condições em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem – são os “determinantes sociais da educação”. A expectativa de vida escolar está altamente correlacionada com essas condições. Não bastam o acesso e a permanência na escola. Mais importante é o aproveitamento que se fará do processo educativo.
É preciso, portanto,  “abrir uma janela mais ampla de oportunidades” para a população desfavorecida e desse modo permitir que todos, independentemente das condições de vida, atinjam níveis educacionais além de um mínimo aceitável. A rigor, a escola brasileira atual não consegue “abrir essa janela de oportunidades”, pois não tem estrutura, tempo nem pessoal para fazê-lo. Certos obstáculos já foram removidos, ao longo do tempo: a distribuição gratuita de material didático, alimentação escolar, transporte e uniformes anula alguns dos fatores negativos mencionados. Mas é preciso dar outros passos mais ousados e o que denomino de Professor de Família – explorando a analogia com o já consagrado Médico de Família - seria um instrumento fortemente democratizante.
Medidas clássicas de aperfeiçoamento da qualidade do processo educacional são o aumento da carga horária, a redução do tamanho das turmas,  a ampliação do número de professores e pessoal de apoio.  A introdução da figura do Professor de Família teria como efeito a combinação sintética de todas essas medidas citadas, aliada à ação comunitária inerente à sua intervenção no domicílio das famílias beneficiadas.
Os problemas quantitativos de nosso setor educacional estão sendo gradativamente resolvidos, inclusive pelo fato de a evolução demográfica brasileira ser altamente favorável – crescimento populacional reduzido e contingentes cada vez menores nas faixas etárias compreendendo a infância e a adolescência. Os investimentos no setor educacional já são elevados e as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) facilitam em muito o trabalho pedagógico e a motivação do alunado, assim como o atingimento dos locais mais remotos de nosso vasto território. Todavia, essa receita tradicional, plenamente de acordo com os cânones internacionais e seguida nos diversos países, não está funcionando em velocidade compatível com o dinamismo da nossa sociedade:  a qualidade de ensino permanece decepcionante. A pontuação obtida pelos estudantes brasileiros no teste PISA, realizado pela OCDE e envolvendo dezenas de países, é cronicamente desfavorável: estamos sempre entre os últimos colocados. Mas como enfrentar esse desafio? É bom repetir: as medidas ortodoxas, adotadas em outros países ao longo das últimas décadas – e que estão sendo seguidas em nosso País – talvez não possam, por si só, com a presteza desejada,  resolver o problema brasileiro, cheio de especificidades culturais que têm grande influência no sucesso de programas de massa como são os educacionais. É claro que  o funcionamento pleno de um sistema de educação continuada, aberto a todos os brasileiros, e a adoção maciça das novas tecnologias de ensino (TIC), para todas as classes populacionais, são medidas consagradas, certamente adequadas e devem ter sua continuidade assegurada.  Só que é preciso algo mais... Até porque, sendo objetivo permanente implantar a educação continuada – o que deve acontecer em todos os lugares, para todos, durante toda vida – o domicílio deve passar a ser pensado como um espaço privilegiado do processo e a família, mais especificamente, deve ser vista como importante sujeito/objeto desse processo - o que é praticamente impossível no caso da coexistência com a miséria.
Um programa dessa magnitude necessita de recursos e o momento não é favorável. Mas há um caminho gradual e que permite maximizar os resultados positivos almejados. Iniciar o atendimento pelos participantes do Programa Bolsa Família (PBF), o qual abrange  exatamente as famílias a que pertencem majoritariamente esses alunos sem apoio adequado em seus lares. O PBF é o veículo mais adequado para ajudar esses estudantes enquanto a escola brasileira não preencher os padrões de qualidade desejáveis. 

A proposta é que no âmbito do Programa Brasil Sem Miséria se institua a figura do “Professor de Família”, um Agente de Desenvolvimento Humano que intervirá nos lares dos mais necessitados, vivendo na pobreza absoluta, e que atuará sobre todos os seus membros – crianças, adolescentes, adultos e idosos – principalmente (mas não exclusivamente) orientando-os sobre as políticas públicas e os caminhos da educação continuada disponíveis local ou regionalmente, para superar as barreiras da falta de conhecimento. Assistência domiciliar que dará, aos que já estão no sistema educacional, especialmente no ensino fundamental, um suporte importante para a realização dos trabalhos escolares, apoio que esse aluno geralmente não pode encontrar no seio da sua família - ela também carente no que concerne à escolaridade. Um esforço complementar, pioneiro e inovador, que o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) iria aportar ao sistema educacional brasileiro em sua difícil luta em favor da qualidade de ensino! 

terça-feira, 7 de julho de 2015

EM FAVOR DO PROFESSOR DE FAMÍLIA






Criança que estuda na rua comove o Mundo
Joyce Gilos postou esta foto feita em Cebú, nas Filipinas e disse do pequeno Daniel, que não tem eletricidade em sua casa: "como estudante, ele foi uma inspiração para trabalhar mais. Tenho a sorte de os meus pais me terem podido mandar para a escola."

VIAGEM AO PASSADO

O Irã está na moda e minhas recordações daquele país mais vivas do que nunca... Estive no Irã em 1976, para participar da Conferência In...