Há muitos anos que a palavra “TECNOCRATA” não circula nas
rádios e televisões, nos jornais e revistas de nosso país. Talvez alguns
leitores mais jovens nem saibam do que se trata...
Pois era assim que a mídia se referia aos técnicos que
ocupavam cargos importantes e tinham poder
decisório, o que era muito comum no tempo dos governos militares. É claro que
muitos postos de relevo eram ocupados por políticos ou por técnicos que eles
indicavam e sobre os quais os referidos ”padrinhos” exerciam grande influência.
Mas havia certo equilíbrio com as indicações feitas em função do saber
requerido para o exercício profissional específico.
Eu era um daqueles seres, ora extintos... Tecnocrata!
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Um dia qualquer de janeiro de 1965, Mario Henrique Simonsen,
que era sócio da empresa (CONSULTEC) em que eu começara como estagiário e já
então trabalhava como engenheiro-economista,
perguntou-me se eu gostaria de ir para o Ministério do Planejamento,
onde o Ministro Roberto Campos estava criando o EPEA (hoje IPEA). Eu seria encarregado de organizar o Setor de
Desenvolvimento Social da instituição
que surgiria com o objetivo de elaborar um Plano Decenal para o Brasil. Eu tinha 27 anos - era uma oportunidade
ímpar.
Perguntei como surgira o convite e Simonsen me explicou:
Roberto Campos havia lido um artigo da revista APEC (Análise e Perspectiva
Econômica) que apontava a necessidade de o Brasil ter um programa de Educação
nos moldes do Plano Regional Mediterrâneo da OECD, baseado nas demandas de mão
de obra dos países a que se aplicava. Como o artigo não era assinado, Campos perguntou a Victor
Silva (que dirigira a APEC e era Diretor do Brasil no BID) quem fora seu autor.
Eu tinha escrito a matéria. Daí o convite, usando meu “amigão” Simonsen, o que
o tornava irresistível.
Roberto Campos também
era sócio da CONSULTEC quando fui
estagiar lá, no início de 1960. Sabia que eu tinha elaborado três projetos
educacionais para o Estado da Guanabara no Governo Carlos Lacerda: os Memoriais
de Pedido de Financiamento para Ampliação das Escolas Primárias e para a
Construção de Ginásios Industriais assim como para a Implantação da Escola de
Desenho Industrial – ESDI. Realizações que me credenciaram a ser convidado, posteriormente,
a realizar um estudo encomendado pela Universidade de Harvard à CONSULTEC,
através do seu Professor Lincoln Gordon, que era coincidentemente o Embaixador
dos Estados Unidos no Brasil. A monografia em foco, intitulada “EDUCAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL”, muito
elogiada por Lincoln Gordon, foi publicada pela Livraria COSMOS-CONSULTEC, em outubro de 1963, constando de 2 volumes, com 468 folhas. Um detalhe
importante: minha monografia substituía um trabalho que deveria ser feito pelo
Prof. Roberto Campos, impossibilitado de elaborá-lo por força de ter assumido o
posto de Embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
Aceitei o convite trazido por Simonsen e assim iniciei uma
fase de minha vida profissional dedicada à educação que durou 16 anos. Logo de
início, no IPEA, coordenei a elaboração do Diagnóstico da Educação Brasileira e
depois do Plano Decenal de Educação e Mão de Obra do Governo Castello Branco,
ainda na gestão do Ministro Roberto Campos. Trabalhava de 12 a 14 horas por
dia, exceção feita aos tempos de lazer para jogar voleibol pelo time principal
do Fluminense ou com meus amigos na praia de Ipanema, nos fins de semana.
Assim eram escolhidos aqueles que a partir de um certo
momento dos Governos militares a mídia
passou a denominar de tecnocratas, sempre com uma conotação pejorativa,
associando-os a um posicionamento
rígido, pouco político, como se ignorassem as dimensões humanas dos problemas,
privilegiando aspectos meramente técnicos. A mídia aproveitava-se do fato de que eram esses técnicos que assumiam os ônus das medidas necessárias ao desenvolvimento brasileiro mas que eram impopulares. Como é o caso, atualmente, do ajuste fiscal, do corte de programas sociais...
O “tecnocrata maior” – segundo a imprensa oposicionista –
era Roberto Campos , que certa vez, irritado, definiu o termo afirmando - com muita razão - que “tecnocrata é um
técnico do qual não gostamos”.
Esta semana, matéria do “VALOR ECONÔMICO” revelou-nos que
desde 2013 os técnicos do Tesouro Nacional alertavam seus superiores sobre as
“pedaladas fiscais” do Governo Dilma e o perigo de que essas práticas
irresponsáveis causassem o rebaixamento da nota do Brasil nas agências
internacionais. Um dos superiores desses abnegados, em reunião sobre o assunto,
disse-lhes que o poder de decidir pertencia a quem tinha voto e que nenhum dos
presentes tinha sido eleito. Os técnicos não têm força nem prestígio
nos governos populistas, despreparados e levianos.
Vocês sabem como são escolhidos atualmente os gestores da
administração pública no Brasil? São todos indicados pelos políticos, que têm o
monopólio das decisões no país, o poder quase absoluto. Será que está dando
certo? O caos que tomou conta de nosso país não sugere mudança radical? Não deveria haver certo equilíbrio entre as duas opções - a técnica e a política? A alternativa
técnica não caberia em certos postos críticos, que envolvem grande
responsabilidade financeira ou questões de segurança, afetando milhares e até
milhões de pessoas?
Hoje já não se fala (mal) dos tecnocratas, “faute de combattants”! Mas é certo que muitos de seus substitutos, indicados pelos
políticos e obedientes, fornecem vasta e atraente matéria para os espaços e
tempos da mídia tupiniquim com forte tropismo para o escândalo.