O que é mais ameaçador: posse de arma ou porte
de smartphone???
Em 1966 eu trabalhava
no IPEA (Ministério do Planejamento), chefiando seu Setor de Educação e Mão de
Obra, quando recebi a visita de um especialista da UNESCO que dava assistência
técnica ao INEP, órgão de estudos e pesquisas do MEC. Era o belga Jacques
Torfs com o qual, desde esse primeiro
contato, foi nascendo uma colaboração profissional muito proveitosa para a
educação brasileira. E para mim: aprendi muito com Jacques, além desse
convívio resultar em grande amizade entre nós e nossas famílias. Ele viera para o Rio com
sua Claudine e três filhos – todos pessoas adoráveis.
Um dos trabalhos mais importantes desenvolvidos por Jacques,
com a minha modesta ajuda, foi a elaboração de um projeto visando a injeção
maciça e rápida de novas tecnologias educacionais no Brasil. Consistiria em
dotar nosso país de um satélite de comunicações com capacidade para transmitir
até seis canais de televisão e atingir todo território pátrio. A ideia era
implantar o ensino a distância e o suporte à educação presencial, desde a
alfabetização até o ciclo básico das Universidades, com cinco canais de TV,
reservando o sexto para as rádios educativas. Durante as madrugadas o satélite
seria utilizado para a transmissão de dados e outros fins, garantindo sua
viabilidade econômica. O projeto custaria US$ 30 bilhões em 20 anos, aí
incluídos o satélite e seu lançamento com os seguros correspondentes, todo
equipamento de recepção de TV e rádio em terra, além da maciça produção dos
programas que seriam veiculados para todo o sistema educacional.
Defendi esse projeto junto às autoridades brasileiras desde o fim dos anos 60 até o
dia em que o expus ao Presidente Geisel, dois meses antes de sua posse, em
1974, recebendo sua opinião contrária. Nessa última tentativa meu argumento
mais forte era que o Brasil tinha uma educação sofrível mas
produzia uma televisão das melhores do mundo, veiculada para 95% dos lares do país, o que mostrava a
aprovação da população. E até hoje continuamos mantendo uma educação pública de
má qualidade e produzindo programas de TV do melhor nível, repetidamente
ganhadores de prêmios internacionais dos mais respeitados.
O Brasil perdeu assim, na década dos 70, a grande
oportunidade de injetar qualidade em seu sistema de ensino, rapidamente e a um
custo razoável, utilizando a televisão.
Hoje, os tempos são outros e as redes sociais, que nos chegam pelos telefones
celulares, conquistaram a unanimidade
nacional.
Em 1992 houve outra oportunidade de utilizar a TV para melhorar
a qualidade de nossa educação: Walter Clark, um gênio midiático, assumiu a
Presidência da Fundação Roquette Pinto, nomeado pelo Presidente Collor. Walter
começou a realizar um excelente trabalho na TVE e coincidentemente me convidou
para dirigir o SINRED (Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa). Fiquei até
a demissão de Walter, ocorrida quando Itamar Franco assumiu a Presidência da República.
Seu Ministro da Educação, Murílio Hingel, prestou esse desserviço ao Brasil, atendendo
ao pedido dos Senadores Francisco Dornelles e Paulo Alberto Monteiro de Barros
que colocaram no cargo o jornalista Paulo Branco – que realmente honrou o nome
e passou em branco pelo órgão. Claro que pedi demissão, assim que Walter foi
exonerado. E mais uma vez a TV saiu dos planos da educação brasileira, infelizmente até hoje
mergulhada na mediocridade.
Quando eu falava na excelência da TV brasileira, o que me
vinha à cabeça era o
que se convencionou chamar de “padrão Globo de qualidade”, implantado
exatamente por Walter Clark e depois sustentado por Boni. E que até hoje,
apesar da crise ética e política da rede, se mantém em alguns programas de alto
nível como o Globo Rural, Via Brasil, Pequenas Empresas e Grandes Negócios, Como Será etc os
quais farão grande falta - se o suicídio jornalístico gradual da rede se mantiver e chegar ao
desfecho que se está desenhando.
Walter Clark costumava me dizer que a Globo era perdulária e
reclamava principalmente dos custos exagerados de algumas novelas. Não é a
primeira vez que o endividamento excessivo vitima o sistema. Já nos anos 90 houve uma crise financeira
séria e a falência foi evitada pela venda
de ativos associada ao socorro governamental. Agora, além das finanças
combalidas, a rede Globo foi tomada pelos militantes de esquerda que veiculam
insistentemente mentiras e meias verdades que nem os mais fanáticos admiradores
da glamorosa TV estão aguentando. As audiências despencam, a cobrança de
títulos é incessante, os anunciantes estão debandando - até porque estão com
suas marcas sujeitas ao boicote do povo – mas a cruzada contra o novo Governo
continua cada vez mais radical. E ridícula... pois seu jornalismo perdeu
totalmente a capacidade de autocrítica.
A essa decadência específica soma-se um fenômeno genérico: a
supremacia das redes sociais sobre a grande mídia, o porte onipresente do
celular em todas as latitudes.
Quando estavam no poder, nos últimos 22 anos, as esquerdas,
em vez de coibir sofregamente a posse de arma deveriam ter proibido o porte do smartphone! Perderam as eleições!
Aliás, como escrevi em blog de 2017, creio, o Ministério da
Educação deveria manter um grupo técnico permanente de alto nível, encarregado
de criar e aperfeiçoar uma “pedagogia do celular”, utilizando-o intensivamente, dentro e fora
da sala de aula, com programas educativos atraentes. Se assim não o fizer estará repetindo o erro fatal, cometido com a TV
nos anos 70.