Ao longo da vida, como é natural, perdi e ganhei muitas vezes. Nada de dramático,
porém. Pratiquei esporte de competição desde cedo. Aos 7 anos de idade, joguei
minha primeira partida de futebol com uma camisa de time. Lembro bem de tudo: era
vermelha e branca, ganhamos de um a zero e eu fiz o gol da vitória por 1 x 0, mergulhando
de “peixinho” entre dois beques e cabeceando. Foi um dia de glória, ali na
esquina da Montenegro da velha Ipanema com
Rua Alberto de Campos, em um terreno baldio que a garotada capinou, limpou e transformou
em campo de futebol. O momento mágico daquele gol é um filme indelével no meu
cérebro. O esporte tem esse dom de transformar, na imaginação infantil, um modesto
campinho de pelada solitária em um
Maracanã lotado. E tem a virtude maior de nos ensinar que sua prática implica na alternância entre alegrias e
frustrações. O esporte resulta em um aprendizado permanente que afinal faz compreender que existem
valores maiores que a vitória e o sucesso. E que muitas vezes, a derrota é a
melhor opção, o caminho único a ser trilhado conscienciosamente.
Duas das minhas derrotas voltaram à lembrança nos
últimos dias. A crise da água no coração
econômico do Brasil, transportou-me para os anos 60, quando eu trabalhava no
IPEA, dirigindo a área de recursos humanos. Tentei sensibilizar a Direção do órgão
para que criasse um Setor de Recursos Naturais. Essa iniciativa colocaria
nossas questões ambientais na ordem do dia, com décadas de avanço em relação ao
que aconteceu (tardiamente) no Brasil. Levei o Presidente do IPEA, João Paulo
dos Reis Veloso, para almoçar no Restaurante Astrodome com José Cândido de
Carvalho – então o maior conhecedor de nossa flora e fauna - e Nilton Veloso, brilhante
especialista brasileiro que dirigia a Divisão de Recursos Hídricos da
Organização dos Estados Americanos (OEA). Eu já os convencera a se juntarem ao
IPEA, mas não consegui o aval de Reis Veloso. Ele me disse que o Brasil era
muito rico em recursos naturais e que o tal Setor seria supérfluo. Hoje, lamentamos
não ter acordado a tempo para a Ecologia
e toda sua problemática. O IPEA, muito influente quando Roberto Campos (seu
criador) e depois Hélio Beltrão foram Ministros do Planejamento, poderia ter dado a partida em um processo de
reflexão duradouro. Vejo hoje que aquela
foi uma derrota importante, pois faltou-me pertinácia, insistência - o que foi
lamentável. O Brasil, infelizmente, ainda nem aprendeu quão nobre e valiosa é a
água potável, que só deveria ser usada para beber, fazer comida e higiene e como
insumo de certas indústrias como a alimentícia e a farmacêutica, por exemplo. O
cacique pele-vermelha fez a previsão certa: com o tempo nossa rica civilização
vai se afogar em nossa própria sujeira...
Outra derrota importante, que lamento, o Papa
Francisco me fez recordá-la ao preconizar a paternidade responsável. Durante o
início do ano de 1980 negociei com a CNBB – especificamente com Dom Luciano
Mendes de Almeida – a realização conjunta de um projeto de paternidade
responsável, no âmbito do PES (Programa de Educação Comunitária para a Saúde)
do MOBRAL. Os participantes do PES seriam mobilizados pela Igreja Católica e o
MOBRAL, receberiam ensinamentos de nossos monitores sobre reprodução humana, prevenção de doenças
transmissíveis
sexualmente, responsabilidades da maternidade e paternidade, ciclos de maior
ou menor fertilidade etc. A Igreja Católica admitia que fosse transmitido o
conhecimento necessário para evitar a
fecundação através do método do “muco vaginal”. Vinda do Vaticano, uma freira
especializada no assunto passou meses no Brasil treinando a equipe do MOBRAL
Central para o perfeito entendimento do
uso daquele método. O material didático – “A Transmissão da Vida”, prefaciado
por D. Luciano - foi impresso e o convênio MOBRAL-CNBB assinado em dezembro de
1980. A partir daí, o treinamento foi repassado às Coordenações
Estaduais do MOBRAL e chegou aos monitores no campo. Mas... Em 31 de março de
1981 o General Rubem Ludwig, que “estava” Ministro da Educação, resolveu não
renovar meu mandato de Presidente do MOBRAL que vencia naquela data. O convênio
não teve continuidade. D. Luciano afirmou que foi sua confiança em mim que o
levou a assinar o convênio exatamente quando as relações entre os militares e a
Igreja Católica eram problemáticas.
Frustrou-se o que seria talvez a maior realização política de minha vida
profissional. O primeiro convênio, no
mundo, da Igreja Católica com um órgão público visando a paternidade
responsável.
De qualquer modo, fiquei eternamente honrado com a
prova de confiança daquele que, no meu
entender, poderia ser o primeiro brasileiro a se tornar Papa, caso tivesse
vivido mais tempo. Religioso que, em futuro próximo, meritoriamente, deverá ser
beatificado/santificado. E cuja bênção – como sempre aconteceu – continuará a proteger-me na vitória e na derrota
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