A nossa demagógica Constituição de 1988 garante que o atendimento em saúde é um direito de todos os brasileiros mas a realidade é bem diferente.
A OMS publicou recentemente
as Estatísticas Sanitárias Mundiais atualizadas, em seu site (http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2014/world-health-statistics-2014/es/),
dando conta dos expressivos progressos mundiais no aumento da expectativa de
vida e da longevidade do ser humano. A esperança de vida dos nascidos em 2012 era de 73 anos para mulheres e 68 anos para
homens - aumento, em média, de 6 anos em relação a 1990.
O Brasil foi muito beneficiado nesse aspecto (8 anos de
aumento) e está envelhecendo com rapidez. Em 2000 nossos idosos eram 14,5
milhões, equivalentes a 8,6% da população
global. Segundo estimativas do IBGE, a atual
população total do país é de 202,5 milhões de habitantes, dos quais 22,3
milhões (11%) com 60 e mais anos de idade. Quem está entrando hoje na terceira
idade no Brasil tem uma perspectiva de viver mais 20 anos e quem chega agora aos 77
anos (como eu) viverá em média mais 11 anos. Muito bom, para um país ainda com
tantos problemas graves. Para muitos
analistas, um resultado até surpreendente.
O salto de nossa longevidade resultou em parte do crescimento
econômico brasileiro, propiciando melhor qualidade de vida à população em
geral, mas teve uma grande contribuição do progresso científico mundial, que
facultou o acesso barato às vacinas e medicamentos. Edward Jenner, que
desenvolveu a primeira vacina (contra a varíola) no fim do século 18 e Fleming,
que descobriu o primeiro antibiótico nos anos 40 do século 20, permitiram uma revolução terapêutica a baixo
custo, após a II Guerra Mundial, na medida em que a indústria farmacêutica se aperfeiçoou
e passou à produção em massa.
O panorama brasileiro seria ainda mais favorável se nossas deficiências
notórias nas áreas de habitação, saneamento, educação, segurança e saúde
pública fossem amenizadas. Em um país repleto de favelas, sempre insalubres e geralmente
dominadas pelo crime organizado, com um passivo de 60 mil mortes violentas a
cada ano, utilizando equipamentos públicos de saúde sucateados, com populosas
áreas urbanas sem saneamento, ministrando educação básica de péssima
qualidade, é quase um milagre que tantos cheguem à terceira idade. Pena,
também, que esse fenomenal alongamento da vida não seja acompanhado pelas providências
cabíveis em todos os setores da vida nacional, de modo a atender adequadamente os idosos. Os
aspectos específicos de saúde e nutrição, habitação e meio ambiente, família,
proteção do consumidor, bem estar social e educação, além da geração de emprego
e renda mereceriam melhor tratamento das políticas públicas para a terceira idade. Sempre com o sentido final de assegurar autonomia, participação, proteção social e dignidade ao idoso. Velhice sem qualidade de
vida é tortura...
Um bom sistema de saúde, logicamente, é essencial para a população em geral e os idosos em particular. Aí está a sintonia fina que conduz à longevidade. Mas no Brasil
a desigualdade no caso da saúde é enorme, pois o acesso às novas tecnologias e
materiais empregados na medicina
diagnóstica e curativa moderna, fator de aumento da longevidade, não é barato. No Brasil o gasto em saúde é de US$
1.000/habitante/ano. Na Alemanha a despesa per capita atinge US$ 4.500 anuais, o que
explica nossas deficiências na saúde pública. Ricos e remediados brasileiros pagam
duas vezes para ter um bom atendimento. Primeiro, honrando suas obrigações com
os pesados impostos - que alimentam as torneiras incontroláveis das despesas
governamentais; depois, para livrar-se dos péssimos serviços públicos de saúde, prestados à população em geral, pagando por atendimento privado de qualidade.
A medicina brasileira de ponta permitiu-me sobreviver a 45 anos de tabagismo e chegar ao século
XXI, saindo incólume de duas cirurgias de alta complexidade. Nas últimas
semanas, usufruí das benesses de um plano de saúde de qualidade e tive o
privilégio de ser operado pela equipe chefiada pelo Dr. Marcus Humberto Tavares
Gress, um cirurgião endovascular de altíssimo nível. Operação de grande porte, com
resultados excelentes .Imediatamente antes e logo após a cirurgia, fui
atendido pelo Dr. Robson Chicrala, competente cardiologista/intensivista que afinal
me deu alta da excelente Casa de Saúde São José. Naquele estabelecimento, com
90 anos de rica experiência, senti a todo momento o carinho e a dedicação
de seus servidores, como as enfermeiras Flávia e Roberta que pacientemente cuidaram de mim na
Unidade de Terapia Intensiva. A nobreza de sentimentos é essencial na Medicina,
pois se faltarem a ética profissional, a
solidariedade humana e a piedade, um infartado pode agonizar por muito tempo à
porta de um hospital de cardiologia de referência (???) sem receber a
assistência médica que poderia salvá-lo da morte.
Após vivenciar essa realidade da Medicina de ponta, fica
cada vez mais penoso testemunhar na mídia o sofrimento da esmagadora maioria da
população brasileira, sujeita às incertezas da saúde pública, que tem traços de
alta qualidade em certos momentos e situações, mas é normalmente muito precária.
Olá Arlindo
ResponderExcluirLer seu blog é sempre uma oportunidade de aprendizado. Suas reflexões nos instigam a querer saber sempre mais sobre os assuntos sobre os quais você se dedica e fala com tanta propriedade. Refletir sobre a terceira idade, nos apresentando tantos dados e também sua experiência pessoal nos permite ter acesso a um quadro objetivo e claro sobre as questões que você levanta.
Por exemplo, me detendo na questão dos planos de saúde, mesmo não tendo um plano que me dê chance de escolher qualquer casa de saúde, sei que sou privilegiada, pois se tiver necessidade também vou poder usufruir da Casa de Saúde São José. Todavia, sei que isso ainda é para poucos e que os hospitais públicos estão ainda longe de poder atender com qualidade toda a sua demanda. Ainda nessa semana, a notícia de que um senhor morreu na porta do Hospital de Cardiologia de Laranjeiras me deixou muito triste, pois eu acreditava que aquela unidade era uma unidade de referência. A verdade é que não basta ser um lugar superequipado é preciso que os profissionais da área tenham algo de especial, para além de sua competência técnica. Por outro lado, reconheço também que eles são humanos e precisam de boas condições de trabalho.
Seu texto me coloca diante da minha própria terceira idade e me alerta que eu preciso intensificar minhas atividades físicas. Sei que você sempre trabalhou e trabalha muito, mas nunca deixou de ser um atleta e que isso lhe garante boa saúde. Ouvi isso também de seus próprios médicos. Nesse caso, além de conhecimento, seu exemplo mostra que não é suficiente saber, mas ser sábio para saber usar a nosso favor os conhecimentos aos quais tivemos e temos acesso. Obrigada por mais essa aula. Adélia
Cara Adélia: grato pelo oportuno comentário. Sempre é tempo para começar o exercício físico, um componente essencial para ter maior probabilidade de boa qualidade de vida no futuro. Sinto que o Brasil não se prepara para ter uma população envelhecida, o que não tarda a acontecer. Na área do trabalho, então, é uma lástima, pois o Brasil inclusive vai precisar usar os velhos em sua força de trabalho. Mão de obra qualificada já falta no Brasil, em função das deficiências da nossa educação básica, que obsta o treinamento profissional (PRONATEC).. Seria necessário, por exemplo, um estudo sério sobre as atividades que os idosos podem realizar com boa produtividade e criar estímulos para atraí-los e engajá-los no mercado de trabalho. Na área de saúde inexistem geriatras especializados em certas áreas e um intercâmbio com os países escandinavos, Israel e Estados Unidos seria indispensável. Enfim, há muito o que fazer e - parece - pouca disposição governamental nesse sentido. Arlindo
ExcluirOutro texto espetacular!
ResponderExcluirJr
Grato, caro amigo. Mas é apenas a expressão escrita - com simplicidade - da triste realidade que eu percebo em nosso país...Abraços, Arlindo
ExcluirCausa tristeza este quadro e mais ainda vergonha de conviver diariamente com o descaso em relaçao a saude em nosso pais. Se houvesse vontade por parte dos governantes certamente o panorama seria outro... Temos excelentes profissionais nos quadros de diversos hospitais da rede publica e nenhuma estrutura para que eles possam cuidar dos pacientes. Claudia
ResponderExcluirClaudia: Concordo inteiramente com seu comentário. Grato.
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