sexta-feira, 7 de novembro de 2014

DA EDUCAÇÃO AO TRABALHO

Em 29/10/2014, convidado pela filial de  Buenos Aires do Instituto Internacional de Planejamento da Educação (IIPE) da UNESCO, participei como ouvinte do debate ao vivo na internet, organizado pela RedEtis, sobre o tema “Transição da Escola para o Trabalho” ("Los puentes entre la escuela y el trabajo: variaciones en clave latinoamericana”). Infelizmente, entre os debatedores não havia um brasileiro e nossa realidade ficou de fora.
Essa questão sempre foi relevante, mas atualmente está na ordem do dia, especialmente em função de um fenômeno que aflige a maioria dos países, incluindo o Brasil: as elevadas taxas de desemprego que atingem as camadas mais jovens da população. Trata-se, em sua maioria, daqueles recentemente diplomados ou evadidos, embora haja também o caso dos que saíram da escola há mais tempo e ainda não conseguiram uma ocupação.  Estes últimos, aliás, têm maior probabilidade de engrossar a multidão dos jovens que não estudam nem trabalham, correndo elevado risco de desalento, de desvios de conduta e sofrendo uma constelação de outros problemas que as sociedades gostariam de evitar.
As deficiências de articulação e passagem entre os sistemas de educação e o mercado de trabalho não são novas e existem desde sempre, embora teoricamente quase todos os países já disponham do tipo de mecanismos adequados para resolver o problema, os quais todavia não funcionam corretamente ou são insuficientes para atender à demanda potencial existente. Em geral, o maior obstáculo a vencer é a falta de coordenação entre as instituições públicas envolvidas, as quais pertencem a Ministérios e Secretarias distintas: Educação e Trabalho.
No caso do ensino superior, a situação é amenizada tanto pela existência de organizações que fazem a integração entre as empresas e as universidades, quanto pelo grande número de oportunidades oferecidas nos programas empresariais de “trainees” e ainda pelas iniciativas das próprias representações acadêmicas dos estudantes, pela multiplicação das incubadoras que fomentam o empreendedorismo dos jovens e até pelo fato de que a opção individual por uma certa carreira -  já feita anteriormente  - cria um foco, um objetivo mais claro a perseguir.
O problema da transição penosa prejudica principalmente os alunos da educação básica, que concluem os estudos do ensino fundamental ou do ensino médio, sendo ainda mais grave para os que se evadem do sistema no decorrer de um desses cursos. Até hoje, no Brasil, os jovens que deixam os estudos e almejam de imediato uma ocupação são, em sua maioria esmagadora, tomados pela perplexidade ante a enorme gama de possibilidades – e dúvidas – quanto ao seu futuro. Qual a carreira profissional a seguir? Qual o caminho para chegar lá? Quais os requisitos? Há necessidade de um curso adicional de qualificação profissional ou de Línguas? Informática? Onde?
Infelizmente, a escola - na qual os estudantes estiveram durante um ou mais anos letivos - geralmente não lhes  dá qualquer orientação, o que seria mais lógico já que essa instituição, pela convivência, deve bem conhecer suas aptidões e competências. Há exceções, é claro, mas são poucos os estabelecimentos de ensino que mesmo ao fim do curso médio e principalmente na conclusão do ensino fundamental, colocam serviços de orientação e encaminhamento profissional à disposição de seus alunos.  Com os estudantes que se evadem ao longo de sua trajetória discente, aliás necessitados de maior assistência, ocorre o mesmo: a omissão e indiferença da escola quanto ao seu futuro profissional.
Há 60 anos fiz o curso científico (atual ensino médio) no Colégio Mello e Souza e lá fui testado e  recebi aconselhamento ocupacional do ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional), dirigido pelo pioneiro Professor Mira y López. Deu Engenharia “na cabeça” e lá fui eu para o Largo de São Francisco, confiante no futuro. Há 60 anos... privilégio de uma parcela ínfima da população que frequentava escolas particulares de qualidade.
Note-se que naqueles tempos as coisas eram bem mais simples, inclusive porque havia um número reduzido de opções profissionais – principalmente no ensino superior. Com o tempo, porém, a economia diversificou-se, tornou-se muito mais complexa e o número de ocupações não parou de multiplicar-se.  Na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) de 1994 elas eram 2.356, mas na grande revisão mais recente, na CBO 2002, as ocupações aumentaram para 2.422 e a cada ano são feitos acréscimos relevantes.
As soluções racionais e adequadas para inclusão profissional – especialmente para a primeira ocupação - ainda inexistem para muitos brasileiros. Embora tenhamos progredido gradualmente, falta um longo caminho a percorrer. As medidas a adotar, para facilitar essa passagem tranquila do estudo para o trabalho, são teoricamente viáveis, pois já se dispõe no Brasil das estruturas públicas básicas que permitiriam sua operacionalização e universalização.
O encaminhamento da solução sugeriria:

·         Dinamização, no Brasil, da educação continuada em todos os níveis, accessível e universalizada, de modo a possibilitar a elevação do perfil de educação geral da população e sua qualificação profissional crescente e diversificada. A educação permanente, adequadamente estruturada, facilita a volta do trabalhador ao ensino geral ou profissionalizante, à busca de crescimento, em qualquer momento de sua vida ativa, assim como, no sentido inverso, possibilita o reingresso do estudante/treinando no mercado de trabalho, em situação mais favorável. Essa permeabilidade favorece a ascensão pessoal contínua, baseada no mérito, trazendo ganhos econômicos e sociais para os setores produtivos e a sociedade como um todo.

·         A operacionalização da educação continuada depende da íntima articulação entre o sistema educativo e o sistema nacional de emprego (SINE), mantido em convênios dos Estados e Municípios de maior porte (mais de 200 mil habitantes) com o Ministério do Trabalho. A rede do SINE era composta de cerca de 1.600 unidades já em 2012, cobrindo as áreas mais populosas do país. As escolas básicas deveriam incorporar, nas atividades de seus alunos das séries terminais, o contato com a cultura do trabalho, para isso estabelecendo vínculos estreitos com associações de classe e principalmente com as agências públicas de emprego de suas vizinhanças. Estas, por seu turno, além de manter ativa sua função básica de intermediação de mão de obra, ou seja, colocação de candidatos no mercado de trabalho,   intensificariam suas capacidades de aconselhamento e orientação profissional, de modo a atender os estudantes dos estabelecimentos educacionais de sua área de influência. O encaminhamento de graduandos às agências de emprego, em busca de colocação no mercado de trabalho ou de alocação à educação profissional, deve tornar-se uma atividade de rotina das escolas.
Casos Especiais:
·         Jovens estudantes das famílias participantes do Programa Bolsa Família deveriam receber especial atenção da escola, na transição do estudo para o trabalho, uma vez que geralmente não dispõem, no lar, do suporte para buscar um encaminhamento adequado. Além disso, como o responsável pelo núcleo familiar, em sua maioria, não pertence à população economicamente ativa, esse jovem necessita de um maior contato com a cultura do trabalho e precisa como ninguém obter uma ocupação, inclusive para adquirir autonomia e tirar sua família da dependência ao programa de transferência de renda. Caso a geração seguinte repita a condição de dependência dos pais ao programa BF, o Brasil corre o risco de ver diminuir  o número de pobres (pois recebem o BF) mas aumentar o de miseráveis (jovens que não trabalham e constituem novas famílias). Um resultado oposto ao que se deseja.
·         Programas de integração entre escola e empresa, entre estudo e trabalho/treinamento, como é o caso do Menor Aprendiz, do Pro-Jovem e outros similares, obviamente facilitam a transição pretendida.
·         Com a legislação que prevê percentuais mínimos de trabalhadores deficientes em empresas de maior porte, criou-se uma demanda, ainda não atendida, de pessoal qualificado  com essas características especiais. Empresários afirmam não ter como atender à lei por falta de trabalhadores deficientes com as competências e habilitações necessárias. Estudantes nessa condição especial devem receber prioridade de suas escolas no encaminhamento às agências públicas de emprego.

No evento de que participei, debatedores e demais participantes eram principalmente educadores, certamente escolhidos por seu prestígio e mérito profissional. Fiquei chocado ao constatar que afora as exceções de praxe, os educadores autolimitam suas áreas de interesse, isolam-se em seu universo particular, muito sedutor e absorvente, entregando-se a ele de corpo e alma. Essa devoção admirável, porém, pode padecer de um vício de origem: a aversão à multidisciplinaridade. É difícil gostar daquilo que se desconhece. Esse isolacionismo dos educadores merece uma crítica clara e eloquente, pois está na raiz de muitos dos problemas que a educação enfrenta mundo afora. Não há autossuficiência na pedagogia, assim como não a há em qualquer campo do conhecimento humano, uma vez que o mundo real é muito complexo. Problemas e principalmente suas soluções são sempre multifacetadas, exigem enfoque multidisciplinar e contributos de natureza diversa. Muitos educadores acham que a educação deve ser seu monopólio e não admitem interferências de outros profissionais. Essa minha observação vem a propósito do fato de ter constatado no debate – abrangendo centenas de ouvintes – que a maioria esmagadora dos participantes parecia ignorar que todos os países latino-americanos dispõem de sistemas públicos de emprego ativos (e caros), abertos a toda população, dentre outros objetivos visando o aconselhamento vocacional, a orientação profissional, o encaminhamento para os circuitos de educação continuada, a captação de vagas e a colocação de mão de obra no mercado laboral. Sendo o tema discutido a passagem do estudo ao trabalho, a articulação entre os sistemas educativos e os sistemas de emprego seria o passo básico, o mais importante, do processo de transição. Uma coordenação imprescindível e olvidada por quase todos participantes.
Fiquei lamentando o fato de que muitos educadores brasileiros provavelmente ignoram a existência do SINE, o Sistema Nacional de Emprego, com suas 1.600 agências de emprego espalhadas pelo Brasil, as quais deveriam ter uma ligação íntima com as escolas básicas.
Mas como culpá-los, se a própria Presidente da República desconhece o SINE?  No último debate antes das eleições, desastrosamente, Dilma recomendou que uma participante desejosa de um emprego procurasse o SENAC – órgão de treinamento da Confederação Nacional do Comércio –  esquecendo tratar-se de função precípua do desprezado SINE, do seu (???) Ministério do Trabalho.


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