Na noite de domingo, assistindo ao JORNAL DA NOITE da SIC –
emissora portuguesa de TV –ouvi o anúncio de que a última reportagem seria em
Moimenta da Beira. De imediato, lembrei-me daquele fim de madrugada, em 1946,
quando minha mãe e eu deixávamos a aldeia de meus avós, Fonte Arcada, para
voltar a Lisboa e devíamos pegar o ônibus na entrada para Moimenta, distante 7
quilômetros. O motorista do táxi parou na estrada, à beira de um acampamento enorme, povoado de
barracas e luzes. Era o abrigo provisório de ciganos, nômades que se
deslocavam pela Europa após 1945, refugiados da guerra e das perseguições étnicas. O táxi só se foi depois que nosso ônibus partiu...
Nessa época, de Fonte Arcada, se via bem abaixo a ponte
romana, há quase 2 mil anos cruzando o rio Távora e logo acima do vale as
cercanias de Moimenta, onde hoje moram
minha prima Clarinha e seu marido Luiz. Ainda não havia a barragem
do Vilar, cujas águas esconderam a preciosa ponte do século I. Diz a história
do vale que em 1809 “colunas do exército
francês de Soult passaram próximo, mas vinham um tanto desfalcadas e nada
frescas. À distância viram a Torre do Relógio e, tomando-a por castelo,
entenderam de salutar prudência seguir adiante sem provocar combates
adicionais. Pouparam assim a indefesa Fonte Arcada de vandalismos e pilhagens.
Fizeram bem.”(Extraído de “AS MAIS BELAS VILAS E ALDEIAS DE PORTUGAL”, pg. 82, Editorial
VERBO, Lisboa/São Paulo, 1991)
A matéria da SIC mostrava o começo das vindimas no povoado
de Prados, em Moimenta, com 50 vizinhos
participando de um mutirão para colher as uvas de um grande parreiral. Uma boa tradição
portuguesa que foi transmitida aos camponeses brasileiros e até hoje é
praticada em várias regiões de nosso país. O proprietário do vinhedo beirão, muito
feliz, explicava ao repórter que o trabalho voluntário do grupo repetir-se-ia
nas terras de seus amigos, sempre terminando em festa. Na sua confraternização,
matariam dois porcos e beberiam um pipo do vinho produzido no ano anterior.
Portugal, que acaba de ter a nota de sua dívida elevada pela
Standard & Poor´s, vive a fase final de uma crise em que muitos jovens
citadinos voltaram aos lares de seus pais na zona rural, buscando o ninho
protetor, reduzindo os custos de seus sustentos e, ao mesmo tempo,
rejuvenescendo regiões deprimidas, às quais levaram muitas inovações e
tecnologias modernas. Mas as boas práticas tradicionais permaneceram e
certamente contribuíram para a sobrevivência de muitas famílias em
dificuldades. O mutirão, que em última análise é uma troca coletiva – o velho
escambo – faz parte do arsenal de armas contra as crises financeiras e é uma
expressão do espírito comunitário, um bom antídoto para necessidades não
atendidas.
Em 2014, Marisa e eu ficamos uns dias em Viby, pequeno
povoado na região dinamarquesa da Zelândia, bem próximo de Copenhagen mas com sólida
vocação rural. Na manhã de domingo, quando saímos do hotel, fomos surpreendidos
por uma movimentação impensável para aquele lugar tão bucólico e tranquilo: a
população da cidadezinha parecia estar toda ela nas ruas, com suas barracas e
tabuleiros cheios de objetos para venda ou troca. Em exposição, inclusive alguns implementos agrícolas e até tratores, como pode ser visto nas fotos. Era dia de
a população trocar e reutilizar seus pertences e economizar, mas sobretudo interagir,
manifestar sua solidariedade e confiança mútua, exercer o espírito comunitário. Economia solidária em clima de festa, com visível alegria e fraternidade.
É essencial o estímulo à ação comunitária como instrumento
de resistência a muitos dos problemas inerentes às crises econômicas, em
especial no que diz respeito aos componentes mais carentes da população. O
sistema educacional tem um papel importantíssimo a desempenhar na criação desse
espírito de solidariedade e busca do bem comum. E tudo pode começar a partir de
uma modesta horta comunitária no terreno da escola...
Nenhum comentário:
Postar um comentário