sexta-feira, 22 de abril de 2016

A CICLOVIA DA MORTE NA GRUTA DA IMPRENSA

Infelizmente aconteceu! Nosso  Rio de Janeiro sofreu com mais uma tragédia de repercussão mundial, marcada pela perda de preciosas  vidas humanas e representando um sério revés no prestígio da cidade, em um momento muito delicado. A ciclovia em frente à Gruta da Imprensa ruiu.
Quando passei pela Avenida Niemeyer  com minha mulher,  Marisa, e pela primeira vez percebemos que estava surgindo a construção de uma ciclovia do lado do mar, ela logo disse: isso não vai prestar, vai morrer gente aí! E eu completei seu   lamento, observando  que perderíamos uma bela e tranquilizante vista, quando da passagem pela Niemeyer, nas idas e vindas da zona sul.  A ciclovia obstruiria a paisagem considerada  uma das marcas  do Rio de Janeiro – algo como é  a Costa Amalfitana para a Itália. A obra era uma decisão incoerente, para uma Prefeitura que estava derrubando a gigantesca, caríssima e estratégica Avenida Perimetral, exatamente com o argumento de que o faria para resgatar...  a vista do porto!
Marisa tinha razão, pois em criança, com seus pais e seus irmãos, costumava visitar a Gruta da Imprensa  e sabia que as ondas  daquele local específico do costão tinham uma força extraordinária, nas costumeiras ressacas de outono e começo de inverno. Nesses dias de mar agitado, a visita à Gruta da Imprensa era proibida e havia um guarda para alertar os passantes sobre o perigo.
Aquele lugar era então um ponto turístico importante do Rio de Janeiro. Atração perdida pela favelização da região e pela falta de segurança para os eventuais visitantes.
Eu também fui, na infância, um frequentador habitual da Gruta da Imprensa, pois meu pai gostava muito de parar lá, nas idas de nossa família a São Conrado, para visitar os amigos José e Guiomar, donos do Hotel Pedra Fenícia da Gávea. Descíamos a escada, entrávamos na gruta escavada pela erosão marinha, escutávamos o curioso barulho surdo do bater das ondas e certa vez até fizemos um piquenique por lá. Apreciávamos os imensos e sólidos pilares do Viaduto do Rei Alberto – que  emolduram a caverna e lá estão, firmes, há um século, alicerçando o pavimento da avenida, indiferentes à força das ondas mais violentas. Uma boa construção, robusta para resistir um milênio. Dessas que não se fazem mais...
Algumas vezes não podíamos parar: as ondas gigantescas atemorizavam, molhavam os carros estacionados na Niemeyer e o jeito era passar direto. Se nossos gestores soubessem...  se conhecessem melhor a cidade... Mas o Brasil é um país sem memória. E poucos se preocupam em resgatá-la! Ou procurar conhecê-la. Pena! Pois acreditem: as recordações do passado têm muito valor. Embora nem sempre reconhecido...
Quando fui Presidente do MOBRAL, sugeri certa vez que as pessoas mais velhas,  das localidades onde se situavam nossas classes, deveriam ser convidadas às salas de aula para dar um depoimento sobre as origens e o passado daquelas comunidades. Coisa típica do MOBRAL. Era um reconhecimento merecido  da  importância social dos idosos. E um tipo de atividade cultural que se revelou um sucesso. Os mais velhos têm uma contribuição interessante e valiosa para o autoconhecimento das comunidades e suas estórias motivavam os alunos.

Agora, após o desastre, a Prefeitura aventa a possibilidade de consultar os cariocas sobre o destino que deve dar à ciclovia. Nunca é tarde demais, certamente, mas se os moradores mais antigos da região tivessem sido ouvidos antes do início da obra, talvez essa ciclovia nem tivesse sido construída do lado do mar, no costão rochoso dos Dois Irmãos. E se assim fosse, para a admiração daqueles que chegassem ao Rio de Janeiro pelo mar, ainda brilharia  essa visão magnífica da esquecida Gruta da Imprensa, que a foto de Gyorgy Szendrodi, publicada no excelente  site de André Decourt, intitulado “Foi um Rio que Passou”, nos mostra em seu esplendor, no início dos anos 70. Quando os cariocas ainda sabiam que ela existia e era linda! Agora, a gruta da minha infância é apenas a testemunha eloquente de uma tragédia imperdoável.



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