Infelizmente aconteceu! Nosso Rio de Janeiro sofreu com mais uma tragédia de
repercussão mundial, marcada pela perda de preciosas vidas humanas e representando um sério revés
no prestígio da cidade, em um momento muito delicado. A ciclovia em frente à Gruta da Imprensa ruiu.
Quando passei pela Avenida Niemeyer com minha mulher, Marisa, e pela primeira vez percebemos que
estava surgindo a construção de uma ciclovia do lado do mar, ela logo disse:
isso não vai prestar, vai morrer gente aí! E eu completei seu lamento, observando que perderíamos uma bela e tranquilizante vista,
quando da passagem pela Niemeyer, nas idas e vindas da zona sul. A ciclovia obstruiria a paisagem considerada uma das marcas do Rio de Janeiro – algo como é a Costa Amalfitana para a Itália. A obra era uma
decisão incoerente, para uma Prefeitura que estava derrubando a gigantesca,
caríssima e estratégica Avenida Perimetral, exatamente com o argumento de que o
faria para resgatar... a vista do porto!
Marisa tinha razão, pois em criança, com seus pais e seus irmãos, costumava
visitar a Gruta da Imprensa e sabia que
as ondas daquele local específico do
costão tinham uma força extraordinária, nas costumeiras ressacas de outono e
começo de inverno. Nesses dias de mar agitado, a visita à Gruta da Imprensa era
proibida e havia um guarda para alertar os passantes sobre o perigo.
Aquele lugar era então um ponto turístico importante do Rio
de Janeiro. Atração perdida pela favelização da região e pela falta de
segurança para os eventuais visitantes.
Eu também fui, na infância, um frequentador habitual da
Gruta da Imprensa, pois meu pai gostava muito de parar lá, nas idas de nossa
família a São Conrado, para visitar os amigos José e Guiomar, donos do Hotel
Pedra Fenícia da Gávea. Descíamos a escada, entrávamos na gruta escavada pela
erosão marinha, escutávamos o curioso barulho surdo do bater das ondas e certa
vez até fizemos um piquenique por lá. Apreciávamos os imensos e sólidos pilares
do Viaduto do Rei Alberto – que emolduram a caverna e lá estão, firmes, há um
século, alicerçando o pavimento da avenida, indiferentes à força das ondas mais
violentas. Uma boa construção, robusta para resistir um milênio. Dessas que não
se fazem mais...
Algumas vezes não podíamos parar: as ondas gigantescas atemorizavam,
molhavam os carros estacionados na Niemeyer e o jeito era passar direto. Se
nossos gestores soubessem... se
conhecessem melhor a cidade... Mas o Brasil é um país sem memória. E poucos se
preocupam em resgatá-la! Ou procurar conhecê-la. Pena! Pois acreditem: as recordações do passado têm
muito valor. Embora nem sempre reconhecido...
Quando fui Presidente do MOBRAL, sugeri certa vez que as
pessoas mais velhas, das localidades
onde se situavam nossas classes, deveriam ser convidadas às salas de aula para
dar um depoimento sobre as origens e o passado daquelas comunidades. Coisa
típica do MOBRAL. Era um reconhecimento merecido da
importância social dos idosos. E um tipo de atividade cultural que se
revelou um sucesso. Os mais velhos têm uma contribuição interessante e valiosa
para o autoconhecimento das comunidades e suas estórias motivavam os alunos.
Agora, após o desastre, a Prefeitura aventa a possibilidade
de consultar os cariocas sobre o destino que deve dar à ciclovia. Nunca é tarde
demais, certamente, mas se os moradores mais antigos da região tivessem sido
ouvidos antes do início da obra, talvez essa ciclovia nem tivesse sido construída do lado do mar, no
costão rochoso dos Dois Irmãos. E se assim fosse, para a admiração daqueles que chegassem ao
Rio de Janeiro pelo mar, ainda brilharia essa
visão magnífica da esquecida Gruta da Imprensa, que a foto de Gyorgy Szendrodi,
publicada no excelente site de André
Decourt, intitulado “Foi um Rio que Passou”, nos mostra em seu esplendor, no
início dos anos 70. Quando os cariocas ainda sabiam que ela existia e era
linda! Agora, a gruta da minha infância é apenas a testemunha eloquente de uma tragédia imperdoável.
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