sexta-feira, 31 de março de 2017

ONDA VERMELHA? FEBRE AMARELA!


O imediatismo irresponsável é uma característica de muitos administradores públicos brasileiros. Sua impunidade, a certeza de que esse grave defeito de nossos governantes ainda vai causar muitos males à nação brasileira e seu povo.                    
Certo dia, no começo dos anos 70, fui avisado por minha secretária de que havia uma senhora na portaria querendo falar-me sobre a proposta de um importante estudo  na área de mão de obra. Seu nome era Julieta Maria da Costa Calazans. Mandei que a  desconhecida entrasse e a ouvi.
À época eu dirigia o Centro Nacional de Recursos Humanos (CNRH) do atual IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão do Ministério do Planejamento.
Eu fora para o EPEA (foi esse o nome original, sigla de Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada) em janeiro de 1965, por sugestão de Mário Henrique Simonsen, quando o órgão, dirigido inicialmente pelo Dr. Victor Alves da Silva Filho, existia ainda informalmente, idealizado pelo Ministro Roberto Campos “para pensar o Brasil”. Caber-me-ia organizar o Setor de Desenvolvimento Social do EPEA – grande desafio para um jovem engenheiro de 27 anos de idade, sem qualquer experiência anterior no serviço público. Como bom atleta, não “amarelei”: fiz o que era preciso e ali estava diante da eloquente interlocutora.
Ouvi atentamente o que Julieta Calazans, com seu forte sotaque nordestino, queria propor-me. Ela vinha do meio acadêmico, tinha raízes na área rural e desejava construir uma Classificação Brasileira de Ocupações, a iniciar-se pela agricultura - que ela conhecia em profundidade. O Brasil não tinha nada nesse sentido, nem mesmo para os setores de indústria e serviços, em que a pesquisa seria mais fácil e viável. Usávamos classificações internacionais – inadequadas para a nossa realidade - e eu sabia que o país precisava que esse trabalho fosse feito.
Sincera, no final de nossa conversa, ao entregar-me seu currículo, Julieta disse-me que sabia ser difícil que eu aceitasse sua proposta  pois eu não a conhecia, o estudo duraria muitos anos e então, provavelmente, eu nem estaria mais como chefe no IPEA, quando chegasse a hora de lançar a obra inédita e colher os louros do longo trabalho.
Procurei informações sobre Julieta Calazans: soube que era obstinada, excelente técnica conhecedora da agricultura, com boa formação acadêmica, muito ligada aos núcleos católicos de esquerda do Nordeste rural.
Pouco depois dessa reunião, sob o meu comando, o CNRH iniciou o estudo proposto por Julieta. Tive que vencer a resistência de João Paulo dos  Reis Velloso em admiti-la, pois a técnica era tida como “agitadora” e Velloso, muito zeloso por sua carreira, temia uma reação negativa dos militares. Mesmo assim consegui admiti-la para trabalhar no CNRH, por meio de acordo com a FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Como ela previra, eu saí do IPEA em janeiro de 1972 e o trabalho só foi concluído depois disso. Dele resultou a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), obra basilar, referência insubstituível para qualquer ação, estudo, pesquisa ou política pública relacionada ao setor do trabalho no Brasil. Hoje, ninguém pode imaginar, nem de longe, a possibilidade de a CBO  não existir. E ela só foi possível graças a uma decisão mirando o longo prazo, isenta de qualquer oportunismo carreirista. Infelizmente, coisa rara no serviço público dos dias correntes.
Quanto à primeira conversa com Julieta e sua previsão de que eu não receberia o crédito da realização do monumental trabalho da CBO, ela tinha total razão. Acabo de ler na internet uma longa entrevista de Julieta, contando a história integral daquela importante realização e em nenhum momento ela menciona meu nome!!! Julieta, porém, merece perdão: seu trabalho, importantíssimo para o Brasil, foi hercúleo, competente, digno dos maiores elogios.
Mas essa falta de memória (???) pouco me importa pois quando consulto a CBO... Ah! Esse é um motivo de grande satisfação pessoal para mim - até hoje e para sempre.
Toda essa conversa vem a propósito do recrudescimento da febre amarela em nosso sofrido pais. Uma doença facilmente controlável pela cobertura vacinal de toda população. Uma solução barata desde que permanente. Como os governantes deixaram que chegássemos a esse ponto? Dengue, chikungunya, zika... Mortes irreparáveis. Uma tragédia anunciada! Falta de visão prospectiva, de responsabilidade, de espírito público. Tudo isso somado e mais alguma coisa: a  incompetência típica do populismo petista, da onda vermelha que mergulhou o Brasil em uma crise sem precedentes.


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