O imediatismo irresponsável é uma característica de
muitos administradores públicos brasileiros. Sua impunidade, a certeza de que
esse grave defeito de nossos governantes ainda vai causar muitos males à nação
brasileira e seu povo.
Certo dia, no começo dos anos 70, fui avisado por
minha secretária de que havia uma senhora na portaria querendo falar-me sobre a
proposta de um importante estudo na área
de mão de obra. Seu nome era Julieta Maria da Costa Calazans. Mandei que a desconhecida entrasse e a ouvi.
À época eu dirigia o Centro Nacional de Recursos
Humanos (CNRH) do atual IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão
do Ministério do Planejamento.
Eu fora para o EPEA (foi esse o nome original, sigla
de Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada) em janeiro de 1965, por sugestão
de Mário Henrique Simonsen, quando o órgão, dirigido inicialmente pelo Dr.
Victor Alves da Silva Filho, existia ainda informalmente, idealizado pelo
Ministro Roberto Campos “para pensar o Brasil”. Caber-me-ia organizar o Setor
de Desenvolvimento Social do EPEA – grande desafio para um jovem engenheiro de
27 anos de idade, sem qualquer experiência anterior no serviço público. Como
bom atleta, não “amarelei”: fiz o que era preciso e ali estava diante da
eloquente interlocutora.
Ouvi atentamente o que Julieta Calazans, com seu
forte sotaque nordestino, queria propor-me. Ela vinha do meio acadêmico, tinha
raízes na área rural e desejava construir uma Classificação Brasileira de
Ocupações, a iniciar-se pela agricultura - que ela conhecia em profundidade. O
Brasil não tinha nada nesse sentido, nem mesmo para os setores de indústria e
serviços, em que a pesquisa seria mais fácil e viável. Usávamos classificações
internacionais – inadequadas para a nossa realidade - e eu sabia que o país precisava
que esse trabalho fosse feito.
Sincera, no final de nossa conversa, ao entregar-me
seu currículo, Julieta disse-me que sabia ser difícil que eu aceitasse sua
proposta pois eu não a conhecia, o
estudo duraria muitos anos e então, provavelmente, eu nem estaria mais como
chefe no IPEA, quando chegasse a hora de lançar a obra inédita e colher os
louros do longo trabalho.
Procurei informações sobre Julieta Calazans: soube
que era obstinada, excelente técnica conhecedora da agricultura, com boa
formação acadêmica, muito ligada aos núcleos católicos de
esquerda do Nordeste rural.
Pouco depois dessa reunião, sob o meu comando, o
CNRH iniciou o estudo proposto por Julieta. Tive que vencer a resistência de João
Paulo dos Reis Velloso em admiti-la,
pois a técnica era tida como “agitadora” e Velloso, muito zeloso por sua
carreira, temia uma reação negativa dos militares. Mesmo assim consegui admiti-la
para trabalhar no CNRH, por meio de acordo com a FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Como ela previra, eu saí do IPEA em janeiro de 1972
e o trabalho só foi concluído depois disso. Dele resultou a CBO (Classificação
Brasileira de Ocupações), obra basilar, referência insubstituível para qualquer
ação, estudo, pesquisa ou política pública relacionada ao setor do trabalho no
Brasil. Hoje, ninguém pode imaginar, nem de longe, a possibilidade de a CBO não existir. E ela só foi possível graças a
uma decisão mirando o longo prazo, isenta de qualquer oportunismo carreirista. Infelizmente, coisa rara no serviço público dos dias
correntes.
Quanto à primeira conversa com Julieta e sua
previsão de que eu não receberia o crédito da realização do monumental trabalho
da CBO, ela tinha total razão. Acabo de ler na internet uma longa entrevista de
Julieta, contando a história integral daquela importante realização e em nenhum
momento ela menciona meu nome!!! Julieta, porém, merece perdão: seu trabalho,
importantíssimo para o Brasil, foi hercúleo, competente, digno dos maiores
elogios.
Mas essa falta de memória (???) pouco me importa
pois quando consulto a CBO... Ah! Esse é um motivo de grande satisfação pessoal
para mim - até hoje e para sempre.
Toda essa conversa vem a propósito do
recrudescimento da febre amarela em nosso sofrido pais. Uma doença facilmente
controlável pela cobertura vacinal de toda população. Uma solução barata desde
que permanente. Como os governantes deixaram que chegássemos a esse ponto? Dengue,
chikungunya, zika... Mortes irreparáveis. Uma tragédia anunciada! Falta de
visão prospectiva, de responsabilidade, de espírito público. Tudo isso somado e
mais alguma coisa: a incompetência
típica do populismo petista, da onda vermelha que mergulhou o Brasil em uma
crise sem precedentes.
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