É uma de minhas lembranças mais antigas! Daí não poder
precisar quando foi. Mas creio que data de poucos anos depois do fim da II
Guerra Mundial, quando o Rio de Janeiro era Capital da República.
Meu pai contava para minha mãe, lamentando, que um amigo,
dono de uma linha de ônibus no subúrbio carioca, estava desesperado, forçado a
pagar propina a alguém no poder, sob a ameaça de perder seu negócio, o qual
dependia de licença da Prefeitura. Já lá se vão mais de 70 anos! A mala com
dinheiro vivo teria que chegar toda semana ao escritório do poderoso chefão,
caso contrário...
Nos tempos que se seguiram, sempre se ouviu falar com
suspeição da relação público-privada nesse setor. E muitas malas fizeram o descaminho
da corrupção. Algumas, diziam as más línguas, iam parar no Uruguai, o paraíso fiscal mais à
mão; outras, mais sofisticadas, seriam depositadas à beira do plácido Lago
Leman. E o povo, sofrido, pagava sempre mais caro pela passagem e seguia
apertado como sardinha enlatada, nas desconfortáveis e senegalescas máquinas a sacolejar, movidas a propina, as
quais fabricavam congestionamentos quilométricos...
Eu também me lembro do Manuel, gerente da noite no bar do
meu pai em Ipanema: ele morava em São João de Meriti e muitas vezes dormia no
jirau do estabelecimento porque faltava condução para chegar em casa, a tempo de uma convivência mínima com a
família. Manuel, além do mais, era o dono do Atlântico, o primeiro e muito
glorioso time de futebol de areia de Ipanema, em que jogavam Gil Carneiro de
Mendonça – que foi Presidente do Fluminense – e Misqueti, o grande craque negro
do pé enorme, jamais igualado. E quando tinha jogo, no sábado, aí mesmo é que
São João de Meriti ficava só na saudade. Mesmo sendo um garoto eu sentia muita pena
do Manuel, trabalhador brasileiro, muito eficiente, simpático e tão sacrificado
pela falta de transporte público digno!
Agora, em 2017, finalmente “descobriram” tudo: corrupção em grande escala.
Ficou barato (ou
barata?) para corruptos e corruptores (estes, nos primórdios, talvez vítimas de extorsão), pois muitos escaparão da
justiça, no Brasil tradicionalmente tardia.
Mas ficou muito caro, irremediável mesmo, para o Rio e seu
povo. Pois se existiu, foi essa mala maldita, semanal, que se tornou um dos
fatores determinantes da opção – só aparentemente incompetente, mas em verdade
oportunista – pelo ônibus como transporte de massa – o que ele certamente não
é! Foi esse um fator inibidor da expansão adequada da rede ferroviária que já
servia o Rio de Janeiro. E impeditivo da implantação tempestiva do metrô, que
atrasou décadas e continua tímido, incipiente, quase desprezível em face das
necessidades da metrópole.
A inexistência do transporte de massa, barato e rápido,
inibiu a criação de grandes anéis de aglomerados habitacionais suburbanos e
metropolitanos para a população trabalhadora, como ocorre nas megacidades do
mundo desenvolvido.
Resultado final: a
favelização do Rio de Janeiro. Fruto da falta de infraestrutura de transporte
público de massa e com qualidade, impedindo os grandes projetos habitacionais
para a população de renda média e baixa. Ficou muito caro! Favela por todos os
lados... gueto insuportável e sufocante... desigualdade econômica e social... balas perdidas achando crianças... santuário
do banditismo!
O ônibus não apenas atrasou demais para chegar à corrupção em massa,
mas foi um importante fator de atraso de nossa Cidade.
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