quinta-feira, 13 de julho de 2017

O ÔNIBUS ATRASOU. DEMAIS...

É uma de minhas lembranças mais antigas! Daí não poder precisar quando foi. Mas creio que data de poucos anos depois do fim da II Guerra Mundial, quando o Rio de Janeiro era Capital da República.
Meu pai contava para minha mãe, lamentando, que um amigo, dono de uma linha de ônibus no subúrbio carioca, estava desesperado, forçado a pagar propina a alguém no poder, sob a ameaça de perder seu negócio, o qual dependia de licença da Prefeitura. Já lá se vão mais de 70 anos! A mala com dinheiro vivo teria que chegar toda semana ao escritório do poderoso chefão, caso contrário...
Nos tempos que se seguiram, sempre se ouviu falar com suspeição da relação público-privada nesse setor. E muitas malas fizeram o descaminho da corrupção. Algumas, diziam as más línguas,  iam parar no Uruguai, o paraíso fiscal mais à mão; outras, mais sofisticadas, seriam depositadas à beira do plácido Lago Leman. E o povo, sofrido, pagava sempre mais caro pela passagem e seguia apertado como sardinha enlatada, nas desconfortáveis e senegalescas  máquinas a sacolejar, movidas a propina, as quais fabricavam congestionamentos quilométricos...
Eu também me lembro do Manuel, gerente da noite no bar do meu pai em Ipanema: ele morava em São João de Meriti e muitas vezes dormia no jirau do estabelecimento porque faltava condução para chegar em  casa, a tempo de uma convivência mínima com a família. Manuel, além do mais, era o dono do Atlântico, o primeiro e muito glorioso time de futebol de areia de Ipanema, em que jogavam Gil Carneiro de Mendonça – que foi Presidente do Fluminense – e Misqueti, o grande craque negro do pé enorme, jamais igualado. E quando tinha jogo, no sábado, aí mesmo é que São João de Meriti ficava só na saudade. Mesmo sendo um garoto eu sentia muita pena do Manuel, trabalhador brasileiro, muito eficiente, simpático e tão sacrificado pela falta de transporte público digno!
Agora, em 2017, finalmente “descobriram” tudo:  corrupção em grande escala.
Ficou barato (ou barata?) para corruptos e corruptores (estes, nos primórdios, talvez  vítimas de extorsão), pois muitos escaparão da justiça, no Brasil tradicionalmente tardia.
Mas ficou muito caro, irremediável mesmo, para o Rio e seu povo. Pois se existiu, foi essa mala maldita, semanal, que se tornou um dos fatores determinantes da opção – só aparentemente incompetente, mas em verdade oportunista – pelo ônibus como transporte de massa – o que ele certamente não é! Foi esse um fator inibidor da expansão adequada da rede ferroviária que já servia o Rio de Janeiro. E impeditivo da implantação tempestiva do metrô, que atrasou décadas e continua tímido, incipiente, quase desprezível em face das necessidades da metrópole.
A inexistência do transporte de massa, barato e rápido, inibiu a criação de grandes anéis de aglomerados habitacionais suburbanos e metropolitanos para a população trabalhadora, como ocorre nas megacidades do mundo desenvolvido.
Resultado final: a favelização do Rio de Janeiro. Fruto da falta de infraestrutura de transporte público de massa e com qualidade, impedindo os grandes projetos habitacionais para a população de renda média e baixa. Ficou muito caro! Favela por todos os lados... gueto insuportável e sufocante... desigualdade econômica e social... balas perdidas achando crianças... santuário do banditismo!
O ônibus não apenas atrasou demais para chegar à corrupção em massa, mas foi um importante fator de atraso de nossa Cidade.


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