Nosso mercado de trabalho vive um de seus piores momentos de
todos os tempos.
Comecei a trabalhar com diagnósticos e formulação de políticas
públicas de emprego, treinamento e educação no Brasil a partir de meu ingresso
no Ministério do Planejamento, em 1965, quando recebi do Ministro Roberto
Campos a missão de criar um Setor de Desenvolvimento Social no IPEA. Desde
então tenho observado que sempre que o desemprego cresce em nosso país – como
acontece neste momento, em que a taxa passou de 8,6% e infelizmente se aproxima
rapidamente dos dois dígitos – começam a aparecer, na mídia, insistentes
notícias sobre a existência de numerosas vagas no mercado de trabalho que não
são preenchidas por falta de candidatos qualificados. Parece mais uma tentativa
de atribuir a culpa do desemprego aos trabalhadores e não à péssima gestão de nossa
economia pelo Governo Federal, como seria justo. Há um aspecto positivo nessas
notícias que implicitamente alertam os desempregados para a necessidade de
buscar uma qualificação maior. Há muitas oportunidades gratuitas para
aperfeiçoamento e especialização de nossa mão de obra e os trabalhadores devem
aproveitá-las para ampliar sua empregabilidade. Entretanto, creio que essas
notícias são falaciosas e há duas ordens de razões para reforçar esse
raciocínio. Primeiro, porque se existissem essas vagas, não preenchidas em
virtude da falta de mão de obra qualificada, o mercado reagiria rapidamente,
pois o Brasil conta com o eficiente Sistema S atuando na área de treinamento e
seus organismos – SENAI, SENAC, SEBRAE, SENAR, SENAT – mantêm contato
permanente com os setores de produção, conhecendo prontamente suas necessidades
mais urgentes de pessoal. Segundo, porque as demissões recentes não poupam sequer os trabalhadores mais
qualificados, estando estes portanto disponíveis – ávidos mesmo - para
preencher eventuais lacunas existentes no mercado, até em ocupações que exigem
um perfil profissional mais modesto. O mais provável, nesse caso, é que esteja
funcionando uma outra lei do mercado, aliás óbvia: havendo excesso de oferta de
candidatos às rarefeitas ocupações disponíveis, as empresas se tornam mais
exigentes, pedem maior escolaridade, preferem mais proximidade entre a morada
do empregado e seu local de trabalho, oferecendo além disso remuneração menor
que a praticada anteriormente. Os serviços de intermediação de mão de obra
tentam, por outro lado, flexibilizar essas exigências do empregador mas nem sempre o conseguem.
Na realidade brasileira atual, ao contrário, faltam vagas e
sobram candidatos. Segundo pesquisa do IETS (Instituto de Estudos de Trabalho e
Sociedade), utilizando dados da PNAD Contínua, há 13,1 milhões de casas no país
(mais de 19% do total) em que nenhum de seus membros trabalha, o que dá a
medida da crise brasileira e do estado precário do mercado de trabalho. Essas
famílias, em sua maioria, vivem das
parcas pensões do INSS ou recebem o salário mínimo do Benefício de Prestação
Continuada, ou ainda, o que é pior, sobrevivem graças ao Bolsa Família. Desde
junho de 2014 os valores deste programa não são reajustados e nesse período a
inflação já passou de 10% - um desastre para as famílias que vivem desse
benefício, mas um resultado lógico da tolerância anterior com a fraude, que
inflou o número de beneficiários do programa, alimentando a grande mentira
eleitoreira, que agora se tornou insustentável.
Um gozador me disse recentemente que “as coisas estão tão
feias no mercado de trabalho que até as EMPREGADAS estão ficando DESEMPREGADAS!”. Verdade, resultado claro da
badaladíssima PEC DAS DOMÉSTICAS!
Antigamente, nos lares mais humildes, funcionava assim:
quando o país entrava em crise e o chefe da casa perdia seu emprego e a capacidade
de sustentar a família, sua esposa saía em campo, buscando e logo conseguindo
um emprego como doméstica; nas emergências, quando a família ficava com uma
renda muito baixa, que ameaçava o atendimento às suas necessidades básicas, a
mulher ia à luta, em busca de um emprego de doméstica. Podia ser,
eventualmente, a filha mais velha do casal que se tornava doméstica e o arrimo
de família. O certo é que essa receita dificilmente falhava. Sempre cabia mais
uma empregada nos lares brasileiros. Agora, não funciona mais: a demanda por
empregadas domésticas tradicionais está em baixa. Os patrões só aceitam as
diaristas e olhe lá! Até o mercado
imobiliário, que raciocina a longo prazo, já entendeu os novos tempos. Imóveis
em construção ou em primeira locação já não têm mais dependências de
empregadas, o que reduz seus preços de
venda em até 10%. E talvez esse seja o único benefício resultante da tal PEC
até o momento – aliás, um benefício exclusivo para os patrões. Quanto àquela
numerosa categoria ocupacional das domésticas, só lhe restaram problemas: fim
dos empregos com casa e comida incluídas; redução dos salários reais;
desemprego em alta; alteração radical no perfil de competências atualmente
pedido a essas profissionais, inclusive porque novas candidatas, na crise, têm
perfil educacional mais elevado.
Empregados domésticos são atualmente 6.046.000, representando 6% da força de trabalho do país
(que totaliza 100.807.000 trabalhadores).
Se considerarmos apenas a parte da população que está ocupada,
empregados domésticos são 6,6% do total em atividade. Um contingente numeroso,
ameaçado pela promulgação de uma legislação que assemelha os lares brasileiros
a empresas e complica (até inviabiliza) a absorção dessa mão de obra. É preciso
contratar um contador para cuidar da burocracia gerada pelas novas relações de
trabalho com as empregadas domésticas! Coisa considerada simples por essa turma
que está no poder!
O desastre é bem nítido. Segundo a PNAD Contínua, os
empregados domésticos ocupados eram 6.002.000 no trimestre de maio a julho de
2014 e passaram a 6.046.000 no trimestre maio-julho de 2015 – um acréscimo de
apenas 44 mil trabalhadores nessa ocupação, passado um ano. No mesmo período, a
População em Idade de Trabalhar no Brasil passou de
161.942.000 a 164.248.000 pessoas – um aumento de 2.306.000 potenciais trabalhadores, dos quais
provavelmente mais de 140 mil seriam candidatos a empregos domésticos.
A queda dos postos de trabalho formais nesse intervalo de um
ano atingiu a cifra de 927 mil. Os empregos informais, exercidos sem carteira
assinada, também diminuíram em 181 mil postos. Na tentativa de obter alguma
renda, empregados demitidos passaram a trabalhar por conta própria, de tal modo
que seu número passou de 21.228.000, em 2014, para 22.111.000, em 2015 – um aumento de 883 mil pessoas.
Lembro que quando ouvi falar dessa tal PEC das Domésticas
pela primeira vez, lá estavam na TV, radiantes, políticos populistas, que se
apresentavam como grandes articuladores
da nova legislação. Imaginei que devia ser uma obra de péssima qualidade, tal a
tradição de incompetência das tristes figuras presentes. Não deu outra!
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