segunda-feira, 12 de outubro de 2015

ENFRENTANDO O DESEMPREGO (II)

Nosso mercado de trabalho vive um de seus piores momentos de todos os tempos.
Comecei a trabalhar com diagnósticos e formulação de políticas públicas de emprego, treinamento e educação no Brasil a partir de meu ingresso no Ministério do Planejamento, em 1965, quando recebi do Ministro Roberto Campos a missão de criar um Setor de Desenvolvimento Social no IPEA. Desde então tenho observado que sempre que o desemprego cresce em nosso país – como acontece neste momento, em que a taxa passou de 8,6% e infelizmente se aproxima rapidamente dos dois dígitos – começam a aparecer, na mídia, insistentes notícias sobre a existência de numerosas vagas no mercado de trabalho que não são preenchidas por falta de candidatos qualificados. Parece mais uma tentativa de atribuir a culpa do desemprego aos trabalhadores e não à péssima gestão de nossa economia pelo Governo Federal, como seria justo. Há um aspecto positivo nessas notícias que implicitamente alertam os desempregados para a necessidade de buscar uma qualificação maior. Há muitas oportunidades gratuitas para aperfeiçoamento e especialização de nossa mão de obra e os trabalhadores devem aproveitá-las para ampliar sua empregabilidade. Entretanto, creio que essas notícias são falaciosas e há duas ordens de razões para reforçar esse raciocínio. Primeiro, porque se existissem essas vagas, não preenchidas em virtude da falta de mão de obra qualificada, o mercado reagiria rapidamente, pois o Brasil conta com o eficiente Sistema S atuando na área de treinamento e seus organismos – SENAI, SENAC, SEBRAE, SENAR, SENAT – mantêm contato permanente com os setores de produção, conhecendo prontamente suas necessidades mais urgentes de pessoal. Segundo, porque as demissões recentes  não poupam sequer os trabalhadores mais qualificados, estando estes portanto disponíveis – ávidos mesmo - para preencher eventuais lacunas existentes no mercado, até em ocupações que exigem um perfil profissional mais modesto. O mais provável, nesse caso, é que esteja funcionando uma outra lei do mercado, aliás óbvia: havendo excesso de oferta de candidatos às rarefeitas ocupações disponíveis, as empresas se tornam mais exigentes, pedem maior escolaridade, preferem mais proximidade entre a morada do empregado e seu local de trabalho, oferecendo além disso remuneração menor que a praticada anteriormente. Os serviços de intermediação de mão de obra tentam, por outro lado, flexibilizar essas exigências do empregador mas  nem sempre o conseguem.
Na realidade brasileira atual, ao contrário, faltam vagas e sobram candidatos. Segundo pesquisa do IETS (Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade), utilizando dados da PNAD Contínua, há 13,1 milhões de casas no país (mais de 19% do total) em que nenhum de seus membros trabalha, o que dá a medida da crise brasileira e do estado precário do mercado de trabalho. Essas famílias, em sua maioria,  vivem das parcas pensões do INSS ou recebem o salário mínimo do Benefício de Prestação Continuada, ou ainda, o que é pior, sobrevivem graças ao Bolsa Família. Desde junho de 2014 os valores deste programa não são reajustados e nesse período a inflação já passou de 10% - um desastre para as famílias que vivem desse benefício, mas um resultado lógico da tolerância anterior com a fraude, que inflou o número de beneficiários do programa, alimentando a grande mentira eleitoreira, que agora se tornou insustentável.
Um gozador me disse recentemente que “as coisas estão tão feias no mercado de trabalho que até as EMPREGADAS estão ficando  DESEMPREGADAS!”. Verdade, resultado claro da badaladíssima PEC DAS DOMÉSTICAS!
Antigamente, nos lares mais humildes, funcionava assim: quando o país entrava em crise e o chefe da casa perdia seu emprego e a capacidade de sustentar a família, sua esposa saía em campo, buscando e logo conseguindo um emprego como doméstica; nas emergências, quando a família ficava com uma renda muito baixa, que ameaçava o atendimento às suas necessidades básicas, a mulher ia à luta, em busca de um emprego de doméstica. Podia ser, eventualmente, a filha mais velha do casal que se tornava doméstica e o arrimo de família. O certo é que essa receita dificilmente falhava. Sempre cabia mais uma empregada nos lares brasileiros. Agora, não funciona mais: a demanda por empregadas domésticas tradicionais está em baixa. Os patrões só aceitam as diaristas e olhe lá!  Até o mercado imobiliário, que raciocina a longo prazo, já entendeu os novos tempos. Imóveis em construção ou em primeira locação já não têm mais dependências de empregadas, o que reduz  seus preços de venda em até 10%. E talvez esse seja o único benefício resultante da tal PEC até o momento – aliás, um benefício exclusivo para os patrões. Quanto àquela numerosa categoria ocupacional das domésticas, só lhe restaram problemas: fim dos empregos com casa e comida incluídas; redução dos salários reais; desemprego em alta; alteração radical no perfil de competências atualmente pedido a essas profissionais, inclusive porque novas candidatas, na crise, têm perfil educacional mais elevado.
Empregados domésticos são atualmente 6.046.000,  representando 6% da força de trabalho do país (que totaliza 100.807.000 trabalhadores).  Se considerarmos apenas a parte da população que está ocupada, empregados domésticos são 6,6% do total em atividade. Um contingente numeroso, ameaçado pela promulgação de uma legislação que assemelha os lares brasileiros a empresas e complica (até inviabiliza) a absorção dessa mão de obra. É preciso contratar um contador para cuidar da burocracia gerada pelas novas relações de trabalho com as empregadas domésticas! Coisa considerada simples por essa turma que está no poder!
O desastre é bem nítido. Segundo a PNAD Contínua, os empregados domésticos ocupados eram 6.002.000 no trimestre de maio a julho de 2014 e passaram a 6.046.000 no trimestre maio-julho de 2015 – um acréscimo de apenas 44 mil trabalhadores nessa ocupação, passado um ano. No mesmo período, a População em Idade de Trabalhar no Brasil  passou de  161.942.000 a 164.248.000 pessoas – um aumento de  2.306.000 potenciais trabalhadores, dos quais provavelmente mais de 140 mil seriam candidatos a empregos domésticos.
A queda dos postos de trabalho formais nesse intervalo de um ano atingiu a cifra de 927 mil. Os empregos informais, exercidos sem carteira assinada, também diminuíram em 181 mil postos. Na tentativa de obter alguma renda, empregados demitidos passaram a trabalhar por conta própria, de tal modo que seu número passou de 21.228.000, em 2014, para  22.111.000, em 2015 – um aumento de 883 mil pessoas.

Lembro que quando ouvi falar dessa tal PEC das Domésticas pela primeira vez, lá estavam na TV, radiantes, políticos populistas, que se apresentavam como  grandes articuladores da nova legislação. Imaginei que devia ser uma obra de péssima qualidade, tal a tradição de incompetência das tristes figuras presentes. Não deu outra!

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