segunda-feira, 8 de junho de 2015

VELHOS PROBLEMAS: DOMÉSTICOS!

Os legisladores brasileiros resolveram finalmente enfrentar uma antiga pendência no campo trabalhista que volta e meia  era levantada junto à opinião pública: a situação dos empregados domésticos, aos quais eram atribuídos menos direitos que às demais classes ocupacionais.
A Lei Complementar número 150, conhecida popularmente como a PEC das Domésticas, foi sancionada pela Presidente Dilma Rousseff a 1º de junho de 2015, após longa espera pela regulamentação que, aliás, ainda não está completa. Segundo seus articuladores, foi uma iniciativa louvável, destinada a reparar uma injustiça secular, acabando com uma forma disfarçada de servidão humana, intocada até nossos dias.
A alusão ao “trabalho escravo” é certamente exagerada e demagógica, pois o emprego doméstico foi para milhares de trabalhadores humildes e sem acesso à educação, ao longo dos tempos, o primeiro degrau possível para uma escalada ocupacional bem sucedida que muitos conseguiram. Mas  o objetivo de universalizar os direitos trabalhistas vigentes no Brasil é uma tese totalmente defensável, embora  vozes da oposição e dos que vão pagar a conta – os patrões -  classifiquem a lei ora aprovada como uma jogada maquiavélica, engrossando o pacote de maldades dos governantes populistas contra a qualidade de vida da “velha” classe média.  E reforçam a argumentação, apontando os equívocos da lei e afirmando que a demora em regulamentá-la resultou da constatação do evidente açodamento dos parlamentares ao estabelecer seus termos iniciais, com direitos mais amplos do que podem suportar os empregadores.
O certo é que mesmo movida por boas intenções, a nova legislação, pelas falhas nela contidas, desembocará em grandes problemas.  Daí serem válidas as restrições à sua implementação.
Lembro bem quando a mídia começou a informar sobre a tramitação dessa PEC no Congresso. À época, as domésticas viviam um momento muito favorável no mercado de trabalho, com salários e vantagens em alta acentuada e demanda crescente por seus serviços. Comentei com minha esposa, á época, que certas iniciativas de interferência estatal mais profunda nas nossas vidas atrapalhavam muito mais que ajudavam e que esse seria o caso da PEC. Não deu outra...
Recordo que então, em minhas caminhadas matinais, ao passar pela pracinha perto de casa, ouvia o intenso alarido das crianças – que considero um dos sons mais agradáveis do nosso cotidiano – brincando em volta de suas babás, que eram muitas, às vezes umas  quinze ou vinte, sentadas em roda, rindo e conversando ao sol. Após certo tempo, encerrada a primeira tramitação da PEC no Congresso e definidas algumas das novas obrigações dos empregadores, a pracinha emudeceu, restaram somente três ou quatro babás e apareceram caras novas em seu lugar: mães, avós, avôs e até alguns maridos mais disponíveis. Foi o resultado da primeira etapa da nova lei, que as estatísticas confirmaram: muitas demissões da classe, acima do normal.
Comecei a trabalhar no serviço público em 1965, no Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, mais precisamente no IPEA, órgão de estudos e pesquisas então em gestação. Ali, interagiam técnicos dos mais diversos setores e aprendemos  a olhar para os problemas macroeconômicos brasileiros e suas soluções com um enfoque sistêmico, analisando todas as suas implicações na  vida nacional. O cidadão comum talvez suponha que as decisões dos três poderes são tomadas após essa análise abrangente, de todas as suas consequências sociais, econômicas, políticas e culturais, mas nem sempre é assim e esta PEC é um exemplo ilustrativo.
De início, o legislador pecou mortalmente por assemelhar os lares brasileiros às empresas, considerando que devem receber igual tratamento, ter os mesmos encargos burocráticos, pagar impostos semelhantes às pessoas jurídicas. Confundiram CPF com CNPJ...
 Em segundo lugar, há falha evidente na definição de “empregado doméstico” adotada no Artigo 1º da Lei Complementar, pelo qual uma ocupação é caracterizada pelo local em que é exercida (o lar) e não pelas funções desempenhadas pelo trabalhador.  Será que o pedreiro que vai consertar uma parede dentro de nossa casa vira empregado doméstico? Há visível contradição entre a referida definição e o que informa a CBO - Classificação Brasileira de Ocupações, de responsabilidade do Ministério do Trabalho e Emprego.
Sancionada ainda agora, a lei ignora a triste realidade da conjuntura nacional, com o país mergulhado em evidente crise econômica, desemprego e inflação em alta, investimentos em baixa, déficit fiscal astronômico, o que obviamente desaconselharia  qualquer aumento do custo de vida para as famílias em geral, as quais já vivem no pior dos mundos. As Contas Nacionais do IBGE, recentemente divulgadas, mostram que exatamente as Despesas das Famílias  despencaram nos últimos meses, sendo responsáveis principais pela queda do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Mas o Governo não parece analisar suas próprias estatísticas. A PEC vai afetar fortemente o custo dos serviços domésticos prestados às famílias, em especial às suas crianças e mais agudamente ainda aos seus idosos.  Neste último caso, sobretudo àqueles que já não são inteiramente autônomos e necessitam de cuidadores por períodos prolongados. Os gastos adicionais correspondentes podem assumir proporções elevadíssimas, em função do grau de dependência dos velhos a atender.
A ironia é que os próprios trabalhadores que teoricamente se pretende beneficiar também enfrentarão adversidades crescentes. Com a elevação do custo dos serviços domésticos e a burocracia gerada pelas novas regras, muitas famílias renunciarão à contratação desse tipo de profissional. Há séria ameaça, a curto prazo, de desemprego desse importante grupo ocupacional, o qual depende muito do salário para satisfazer suas necessidades básicas de sobrevivência. No Brasil, os empregados domésticos representam uma parcela enorme de nossa população ativa, quase  7% da força de trabalho, entre 6 e 7 milhões de pessoas, a maioria atuando na informalidade. Agora nem os informais estão garantidos...
Alguns, certamente, terão oportunidades de remanejamento dentro da própria ocupação, com a conversão do seu regime de mensalistas para a condição de diaristas, esta sem a burocracia da carteira assinada e geralmente mais barata para os patrões. Outros permanecerão na informalidade – que hoje é a regra - caso seus empregadores se arrisquem a enfrentar no  futuro os rigores da Justiça do Trabalho. Para muitos, porém, o desemprego aberto será inevitável, a renda familiar naufragará  e provavelmente o recurso será o cadastramento  para entrar no Programa Bolsa Família e – no caso dos mais velhos – para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Programas que oneram fortemente os cofres públicos.
Consequência adicional a considerar  é o crescimento da demanda, nas instituições públicas, por serviços para crianças e idosos, os quais hoje são normalmente  fornecidos pelo setor privado e pagos pelas famílias: creches e pré-escolas em tempo integral, atendimento geriátrico ambulatorial e hospitalar,  internação temporária e permanente dos velhos em casas de repouso e asilos, assistência à velhice nas casas de dia (para permanência assistida durante o período de trabalho dos familiares) e assim por diante. Reconhecidamente, o Brasil não dispõe de uma infraestrutura de serviços públicos de educação e saúde capaz de atender a essas necessidades, nem mesmo nos medíocres níveis quantitativos e qualitativos atuais. Com mais forte razão, os déficits agravar-se-ão com esse crescimento repentino  da demanda.
A rigor, a PEC deveria ser precedida ou no mínimo acompanhada dos investimentos e das providências para uma expansão quantitativa e o aprimoramento da capacidade de atendimento às novas demandas assistenciais, médicas e educacionais dela resultantes. Mas não o foi. É só lembrar as 6 mil creches prometidas pelo Governo Dilma e nunca implantadas; o déficit permanente da pré-escola; o drama dos doentes atendidos nos corredores dos hospitais públicos, sem leitos disponíveis; as UTIs requisitadas e sempre inexistentes etc.
As famílias brasileiras terão que enfrentar desafios que vão requerer muita criatividade para resolver os problemas financeiros e vivenciais  colocados pela nova legislação. Mas isso é o assunto do meu próximo blog, intitulado: VELHOS: PROBLEMAS DOMÉSTICOS!


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