As primeiras decisões do Governo Bolsonaro - principalmente
a criação do Ministério da Economia - suscitam algumas fortes recordações de minhas
experiências na vida pública.
Em janeiro de 1965 saí da CONSULTEC – uma empresa privada –
e fui trabalhar no Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, no embrião do
que seria o EPEA – Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada, anos mais tarde
elevado à categoria de Instituto (o atual IPEA).
A sabedoria do então Ministro Extraordinário da Pasta –
Roberto de Oliveira Campos – limitou a atuação do EPEA às funções de estudo,
pesquisa e planejamento. Pensar o futuro seria nossa missão principal. O
enfrentamento das questões de curto prazo foi atribuído, com exclusividade, aos
grupos técnicos vinculados ao Gabinete do Ministro. Havia, inclusive, uma quase total correspondência de setores
entre EPEA e Gabinete. E um significativo isolamento físico: setores do EPEA
longe do Ministro e os do Gabinete vizinhos à sua sala, no velho prédio do Palácio
da Fazenda, na Avenida Presidente Antonio Carlos.
O Ministro Roberto Campos, do Planejamento, era hóspede e
coabitava com o Ministro da Fazenda, Octavio Gouvêa de Bulhões. Foi um convívio
de grandes amigos, extremamente profícuo para o Brasil. Governo reformista,
rejuvenescedor dos costumes éticos, com restabelecimento da ordem e do
progresso, que haviam sido abalados pelas iniciativas comunistas de Jango
Goulart e sua turma. O mesmo que esperamos de Bolsonaro.
Em março de 1967 o Presidente Costa e Silva, ao assumir,
nomeou Antonio Delfim Neto para o Ministério da Fazenda e Hélio Beltrão para o
Ministério do Planejamento. No início o convívio foi cordial, principalmente
graças ao espírito conciliador e à simpatia exuberante de Beltrão. Delfim,
porém, era mais competente e tinha intenções hegemônicas: aos poucos foi
anulando a influência do Planejamento e assumindo um poder muito abrangente.
Beltrão suportou a situação de 1967 a 1969, mas chegou a dizer que o Ministério
do Planejamento deveria ser extinto, já que inútil. No Governo Médici foi dada essa solução, de forma velada:
João Paulo dos Reis Velloso, cuja grande ambição era ascender a esse cargo, assumiu
o Planejamento e serviu de marionete sob o comando de Delfim. Nesse período a Fazenda teve poder absoluto e
Velloso foi um Ministro decorativo.
No Governo Geisel acabou o reinado de Delfim, que caiu em
desgraça e foi deslocado para a Embaixada do Brasil na França, onde continuou
fazendo das suas, mas à distância...
Mario Henrique Simonsen assumiu a Pasta da Fazenda e João
Paulo dos Reis Velloso continuou no Planejamento. Embora Simonsen fosse um
gênio e Velloso muito pelo contrário, predominou o equilíbrio de poder,
sustentado por uma paz armada entre os principais assessores dos dois Ministérios. Velloso, sempre que podia,
sabotava a ação de Simonsen e se sustentava graças a um de seus traços pessoais
mais marcantes: a subserviência.
Sabem os meus contemporâneos que Geisel era um autocrata,
homem de muitas certezas e raras dúvidas. Velloso, ao despachar com o
Presidente, buscando a decisão para certa questão, levava sempre em sua maleta três
pastas coloridas: uma verde, com parecer favorável à medida; outra vermelha,
reprovando-a; e uma terceira, amarela, com uma solução conciliadora. Velloso
começava a sondar o Presidente, para saber sua opinião, até que Geisel explicitava sua decisão. Nesse momento Velloso puxava da maleta a pasta colorida que coincidia com a opção
de Geisel e afirmava que seu parecer era
exatamente coincidente com o que pensava o "sábio" Presidente. E assim ia se
mantendo na admiração do chefe e torpedeando o genial Mario Henrique Simonsen,
provando que a inteligência nem sempre
vence a astúcia...
Eu mesmo fui prejudicado pela guerra que Velloso movia
contra Simonsen, sempre disfarçadamente, bem ao seu estilo fugidio. Eu presidia
o MOBRAL que recebia 30% da renda líquida da Loteria Esportiva mais os
descontos opcionais (de 1%) do imposto de renda das empresas. Sem qualquer
aviso, Velloso conseguiu a aprovação de uma legislação criando o FAS (Fundo de
Apoio ao Desenvolvimento Social), em dezembro de 1974, a qual retirava do MOBRAL a
fatia que tinha na Loteca. Uma punhalada contra um dos programas mais
importantes do Governo, no fim do exercício fiscal, inviabilizando qualquer
reprogramação para o ano seguinte. O MOBRAL, que tinha o apoio de Simonsen,
obteve um empréstimo emergencial junto à Caixa Econômica para 1975 e o
Ministério da Fazenda dobrou o incentivo fiscal dado às empresas que doassem à
instituição. Só assim retomamos a normalidade. A maldade de Velloso acabou sendo benéfica ao MOBRAL que a partir de então dependia exclusivamente do apoio voluntário do empresariado - que nunca lhe faltou.
No Governo Figueiredo a guerra mudou de endereço. Simonsen
foi nomeado Ministro do Planejamento, Karlos Rischbieter (indicado por
Simonsen) foi para a Fazenda e Delfim voltou à tona, nomeado para o Ministério
da Agricultura. Dali dirigiu seus ataques a Simonsen, que fazia o papel
impopular de tesoureiro de uma empresa em estado falimentar. Delfim foi
auxiliado por Rischbieter e os “Ministros gastadores” e derrubou Simonsen.
Agora a marionete passou a ser Rischbieter que apenas concordava com tudo que
Delfim propunha, como antes de traí-lo dizia sim a tudo que Simonsen defendia.
A história mostra o antagonismo redundante de Fazenda e Planejamento
e a predominância de um dos dois Ministros. Se assim é, para que ter dois
Ministérios? A fusão parece a solução mais indicada, pelo menos sob o aspecto
da coordenação geral do Governo. Duplo comando é um dos maiores erros nas práticas de gestão.
Bolsonaro começa acertando em cheio...
Nenhum comentário:
Postar um comentário