quinta-feira, 1 de novembro de 2018

MINISTÉRIO DA ECONOMIA: RECORDAÇÕES DE CONVÍVIOS IMPOSSÍVEIS


As primeiras decisões do Governo Bolsonaro - principalmente a criação do Ministério da Economia - suscitam algumas fortes recordações de minhas experiências na vida pública.
Em janeiro de 1965 saí da CONSULTEC – uma empresa privada – e fui trabalhar no Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, no embrião do que seria o EPEA – Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada, anos mais tarde elevado à categoria de Instituto (o atual IPEA).
A sabedoria do então Ministro Extraordinário da Pasta – Roberto de Oliveira Campos – limitou a atuação do EPEA às funções de estudo, pesquisa e planejamento. Pensar o futuro seria nossa missão principal. O enfrentamento das questões de curto prazo foi atribuído, com exclusividade, aos grupos técnicos vinculados ao Gabinete do Ministro. Havia, inclusive,  uma quase total correspondência de setores entre EPEA e Gabinete. E um significativo isolamento físico: setores do EPEA longe do Ministro e os do Gabinete vizinhos à sua sala, no velho prédio do Palácio da Fazenda, na Avenida Presidente Antonio Carlos.
O Ministro Roberto Campos, do Planejamento, era hóspede e coabitava com o Ministro da Fazenda, Octavio Gouvêa de Bulhões. Foi um convívio de grandes amigos, extremamente profícuo para o Brasil. Governo reformista, rejuvenescedor dos costumes éticos, com restabelecimento da ordem e do progresso, que haviam sido abalados pelas iniciativas comunistas de Jango Goulart e sua turma. O mesmo que esperamos de Bolsonaro.
Em março de 1967 o Presidente Costa e Silva, ao assumir, nomeou Antonio Delfim Neto para o Ministério da Fazenda e Hélio Beltrão para o Ministério do Planejamento. No início o convívio foi cordial, principalmente graças ao espírito conciliador e à simpatia exuberante de Beltrão. Delfim, porém, era mais competente e tinha intenções hegemônicas: aos poucos foi anulando a influência do Planejamento e assumindo um poder muito abrangente. Beltrão suportou a situação de 1967 a 1969, mas chegou a dizer que o Ministério do Planejamento deveria ser extinto, já que inútil. No Governo Médici foi dada essa solução, de forma velada: João Paulo dos Reis Velloso, cuja grande ambição era ascender a esse cargo, assumiu o Planejamento e serviu de marionete sob o comando de Delfim.  Nesse período a Fazenda teve poder absoluto e Velloso foi um Ministro decorativo.
No Governo Geisel acabou o reinado de Delfim, que caiu em desgraça e foi deslocado para a Embaixada do Brasil na França, onde continuou fazendo das suas, mas à distância...
Mario Henrique Simonsen assumiu a Pasta da Fazenda e João Paulo dos Reis Velloso continuou no Planejamento. Embora Simonsen fosse um gênio e Velloso muito pelo contrário, predominou o equilíbrio de poder, sustentado por uma paz armada entre os principais assessores dos  dois Ministérios. Velloso, sempre que podia, sabotava a ação de Simonsen e se sustentava graças a um de seus traços pessoais mais marcantes: a subserviência.
Sabem os meus  contemporâneos que Geisel era um autocrata, homem de muitas certezas e raras dúvidas. Velloso, ao despachar com o Presidente, buscando a decisão para certa questão, levava sempre em sua maleta três pastas coloridas: uma verde, com parecer favorável à medida; outra vermelha, reprovando-a; e uma terceira, amarela, com uma solução conciliadora. Velloso começava a sondar o Presidente, para saber sua opinião, até que Geisel explicitava sua decisão. Nesse momento Velloso puxava da maleta a pasta colorida que coincidia com a opção de Geisel  e afirmava que seu parecer era exatamente coincidente com o que pensava o "sábio" Presidente. E assim ia se mantendo na admiração do chefe e torpedeando o genial Mario Henrique Simonsen, provando que a inteligência nem sempre  vence a astúcia...
Eu mesmo fui prejudicado pela guerra que Velloso movia contra Simonsen, sempre disfarçadamente, bem ao seu estilo fugidio. Eu presidia o MOBRAL que recebia 30% da renda líquida da Loteria Esportiva mais os descontos opcionais (de 1%) do imposto de renda das empresas. Sem qualquer aviso, Velloso conseguiu a aprovação de uma legislação criando o FAS (Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social), em dezembro de 1974, a qual retirava do MOBRAL a fatia que tinha na Loteca. Uma punhalada contra um dos programas mais importantes do Governo, no fim do exercício fiscal, inviabilizando qualquer reprogramação para o ano seguinte. O MOBRAL, que tinha o apoio de Simonsen, obteve um empréstimo emergencial junto à Caixa Econômica para 1975 e o Ministério da Fazenda dobrou o incentivo fiscal dado às empresas que doassem à instituição. Só assim retomamos a normalidade. A maldade de Velloso acabou sendo benéfica ao MOBRAL que a partir de então dependia exclusivamente do apoio voluntário do empresariado - que nunca lhe faltou.
No Governo Figueiredo a guerra mudou de endereço. Simonsen foi nomeado Ministro do Planejamento, Karlos Rischbieter (indicado por Simonsen) foi para a Fazenda e Delfim voltou à tona, nomeado para o Ministério da Agricultura. Dali dirigiu seus ataques a Simonsen, que fazia o papel impopular de tesoureiro de uma empresa em estado falimentar. Delfim foi auxiliado por Rischbieter e os “Ministros gastadores” e derrubou Simonsen. Agora a marionete passou a ser Rischbieter que apenas concordava com tudo que Delfim propunha, como antes de traí-lo dizia sim a tudo que Simonsen defendia.
A história mostra o antagonismo redundante de Fazenda e Planejamento e a predominância de um dos dois Ministros. Se assim é, para que ter dois Ministérios? A fusão parece a solução mais indicada, pelo menos sob o aspecto da coordenação geral do Governo. Duplo comando é um dos maiores erros nas práticas de gestão.
Bolsonaro começa acertando em cheio...

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