sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

PROFESSORES TALENTOSOS SÃO CELEBRIDADES

  • O CONTEXTO
O país necessita de instrumentos de política para atrair os jovens talentosos para o professorado das escolas públicas de nível  médio, ainda em expansão, pois os efeitos nocivos dos respectivos deficits vão agravar-se a curto prazo. Em 2011 o ensino médio brasileiro tinha 8,4 milhões de alunos e ocupava cerca de 500 mil professores. Sua expansão é relativamente recente e continua em andamento (o ensino  obrigatório dos 4 aos 17 anos só foi inserido na Constituição em 2009), sem que se tenha feito a respectiva formação dos quadros docentes, com bons padrões de qualidade. Pior: a relação candidatos/vagas nas Licenciaturas deteriora-se em termos qualitativos (candidatos são cada vez menos habilitados). Agravando o deficit, há uma demanda concorrente de professores para as novas unidades federais de ensino técnico, construídas nos últimos anos: em 2002 existiam 140 dessas escolas; em 2012 já são 354 e em 2014 serão  562.  Emergencialmente, essas instalações estão sendo utilizadas pelo PRONATEC, um programa que visa atender a milhões de jovens para sanar o “apagão de mão de obra qualificada” que está prejudicando muito a economia do país, baixando sua produtividade e a competividade de nossos produtos e serviços.
  • CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS
O controvertido “sistema de cotas” é  sintoma eloquente de que o  ensino público de  nível médio é um obstáculo à democratização de oportunidades no Brasil. Frequentado pelos jovens pobres e dos estratos de menor renda da classe média, seus diplomados têm  dificuldades no acesso ao curso superior de melhor qualidade e na transição para o mercado de trabalho. A “hora da verdade” para formados nos cursos médios das escolas públicas pode chegar nos maus resultados em exames vestibulares, em provas do ENEM e na dificuldade de classificação para o SISU e o PROUNI. Agora mesmo há sobra de bolsas de estudo no exterior dentro do programa Ciência sem Fronteiras pelo fato de os estudantes brasileiros não dominarem uma segunda língua. A má qualidade do ensino público pode também evidenciar-se quando da busca do primeiro emprego formal, dificultada pelo desprestígio da formação recebida, deficiente e cheia de lacunas, já bem conhecida das empresas. Em muitos casos, por não dominar certos conhecimentos básicos, esses jovens fracassam até mesmo ao frequentar os cursos de qualificação profissional necessários à  colocação em postos de trabalho exigentes em competências e habilidades específicas. Nessas situações, os estudantes estão pagando o preço dos desfalques nos quadros docentes, repetidos a cada ano letivo, em muitas escolas das várias Unidades da Federação; sendo penalizados pelo absenteísmo/grevismo exagerados de seus mestres desmotivados, uma constante; e lamentam as poucas aulas ministradas em matérias essenciais – como Matemática, Física e Química – nas quais o déficit  de professores é mais agudo. Esta proposta, por tudo isso, prioriza a atração/retenção de docentes para o ensino médio público.
  • FORÇAS DE ATRAÇÃO E REPULSÃO
A conquista de talentos para o exercício do magistério em nossa educação básica pública encontra uma barreira inicial na situação em que a maioria dos professores exerce atualmente essa profissão. Fato muito divulgado pela mídia, mostrando escolas localizadas em zonas de risco, em condições físicas deploráveis, sem equipamentos essenciais; ou realçando o fato de que a violência das periferias e favelas e a penetração das drogas entre os jovens já adentraram as salas de aula.  Culminando com a omissão de certas autoridades, cuja gestão displicente e burocrática falha no apoio aos funcionários e docentes trabalhando nessas condições de risco. Testemunhos eloquentes de que dificilmente se poderia  caracterizar o magistério público como uma carreira estimulante, recompensadora, capaz de exercer fascínio sobre as novas gerações, sobretudo atraindo seus elementos mais capazes. Ao contrário, a realidade atual é importante fator de repulsão à profissão. A valorização do corpo docente em atividade é, por isso mesmo, condição “sine qua non” para captar talentos para a carreira, em face de seu “efeito demonstração”.  Além do que há risco de perder  muitos dos docentes em atividade - provavelmente alguns dos mais qualificados - propensos a migrar para ocupações melhores, em setores mais promissores. Neste vasto país continental, nos sistemas públicos de ensino médio, de qualidade sofrível, há  porém trabalhos valiosos em andamento. Exemplos de boas práticas que devem ser divulgados, visando sua universalização.
  • A FORÇA DO MARKETING E CRITÉRIOS MERITOCRÁTICOS
A situação desfavorável do professorado em atividade não é, todavia, um obstáculo intransponível para recrutar novos e bons valores para a carreira. Certas analogias desmentem esse determinismo. A profissão que maior atração exerce sobre a nova geração do sexo masculino no Brasil é a de jogador de futebol. Não havendo problemas de recrutamento para esse esporte, a vasta demografia brasileira resulta em oferta abundante de talentos.  E como o sistema de seleção funciona obedecendo aos critérios de mérito, nossos jogadores fazem sucesso global e ocupam espaços abundantes na mídia mundial. Fechando o “círculo virtuoso”, há cada vez mais brasileirinhos que almejam e tentam o estrelato futebolístico. No entanto, quando se vai pesquisar a situação real dos jogadores atuando no Brasil, verifica-se que além de a carreira ser curta, a esmagadora maioria trabalha em condições precárias, mora em alojamentos desconfortáveis, recebe remunerações modestas – abaixo da média salarial do trabalhador brasileiro, pesquisada nas seis maiores regiões metropolitanas pelo IBGE (na Pesquisa Mensal de Emprego). A grande atratividade dessa profissão deve-se ao sucesso de algumas poucas centenas de jogadores de ponta que ganham somas milionárias, levam uma vida social charmosa, têm acesso ao “grand monde” e muita exposição nas mídias. O apelo da carreira futebolística resulta de os jovens pretendentes acreditarem na sua própria capacidade para “chegar lá” e na prevalência do mérito, como fator de julgamento para definir quem vai fazer sucesso. Na prática do jogo, predomina a meritocracia: os atletas estão sempre expostos aos olhos dos técnicos e ao julgamento das multidões. O marketing das estrelas e a prevalência do mérito atraem os jovens talentosos. Já existem algumas iniciativas no ensino público – muito tímidas e suscitando forte reação contrária - no sentido da implantação de sistemas de remuneração diferenciada segundo o mérito. O fato de a educação presencial ainda ter as características econômicas de um artesanato, em que a produtividade média da mão de obra é baixa, torna inviável pagar altos salários às centenas de milhares de professores em atividade. Assim, a gradação salarial fundamentada na produtividade talvez fosse uma das boas soluções para atrair talentos para a docência. Infelizmente, trata-se de um sonho irrealizável no momento brasileiro atual. De um lado, pela própria dificuldade de realizar comparações de mérito nos serviços públicos, desorganizados e incapazes de supervisionar suas unidades. De outro,  em função da ideologia dominante nas esferas de poder brasileiras – uma mentalidade que repele a evidenciação das diferenças individuais e não admite nem discutir soluções meritocráticas. Finalmente, a resistência dos próprios professores e seus sindicatos de se deixarem avaliar.
  • A SOLUÇÃO

É preciso contornar – ainda que parcialmente – as barreiras à prevalência do mérito. Buscar caminhos para premiar generosamente os professores talentosos, transformá-los em “celebridades”, criar o “efeito demonstração” que torne a carreira atraente e charmosa. A proposta para reter os milhares de docentes em atividade – e de quebra motivar jovens candidatos ao magistério - seria conceber e executar uma programação de CONCURSOS variados de BOAS PRÁTICAS  DE ENSINO, com grande publicidade e ótimos prêmios, abertos aos professores do ensino médio público. Cada Concurso teria: a) divulgação ampla na grande mídia, cobrindo sua abertura, premiação e resultados finais, de modo a tornar conhecidos e admirados os professores vencedores – transformando-os em personalidades midiáticas; b) recompensa pecuniária elevada para os docentes vitoriosos, que realizem trabalhos notáveis, de  modo a generalizar a crença de que a carreira permite acumular um bom patrimônio e que seu mérito é reconhecido pela sociedade; c) divulgação detalhada, pelos meios adequados, do conteúdo dos trabalhos premiados, de modo a servirem como motivação, inspiração e treinamento prático para os demais docentes em atividade. Os participantes dos Concursos seriam os atuais professores do ensino médio público, que poderiam apresentar trabalhos individuais ou em grupo (estimulando a multidisciplinaridade), mas o programa também influenciaria os jovens talentosos que estão no período de escolha da profissão. O ensino médio brasileiro é urbano (97%),  mas os Concursos, seus vencedores e os projetos premiados, dependendo dos recursos midiáticos utilizados na divulgação, serão conhecidos em todo território nacional, influenciando docentes de todos os níveis. O prestígio social em alta, a notoriedade granjeada pelos ganhadores – “celebridades do conhecimento” – e o dinheiro auferido na disputa, são as motivações para atrair e reter mestres talentosos em geral, dando-lhes a esperança de que seu trabalho terá o justo reconhecimento. A percepção acerca da carreira no ensino público se fará sob um novo olhar, identificando dinamismo, espírito de iniciativa e de inovação onde antes só parecia haver imobilismo e burocracia. O projeto tem a vantagem de que um pequeno grupo pode coordenar sua implementação. Especialista em Concursos se encarregará de sua concepção e execução, com um ou dois educadores para assessorá-lo. Haverá um sítio próprio e exclusivo dos Concursos na internet, com a respectiva equipe terceirizada, o que facilitará o envio do material pelos concorrentes – o qual poderá atingir quantidades ponderáveis e adquirir formatos diversos: vídeo com som; vídeo ilustrando texto; “power point show” ou similar; texto com ilustrações etc etc. Um grupo de jurados de notório saber, escolhido a cada Concurso, será responsável pela seleção inicial dos concorrentes. Na maioria dos casos, os vencedores dessa primeira “peneira” serão submetidos a uma segunda etapa de validação e julgamento, realizada  “in loco” (na comunidade, escola etc) e bem documentada, precedendo a decisão final. Havendo televisionamento e sucesso dos Concursos, pode-se ter votação popular em cada julgamento final, por meio do sítio na web ou através de telefonemas - neste caso a receita revertendo para os vencedores e/ou a produção do programa. O ideal seria utilizar o programa de TV de algum comunicador com grande audiência para lançamento, julgamento final e divulgação dos resultados. E sobretudo para celebrizar os vencedores. Há viabilidade de conseguir  cotas de patrocínio de empresas de âmbito nacional, pelo próprio valor publicitário da promoção ou dentro de seus programas de responsabilidade social. O Concurso pode levar o nome do patrocinador principal ou de  marca de sua escolha. É possível começar o programa quase de imediato, devendo o Concurso preceder o início dos semestres letivos. Cada um deles estender-se-á por um ou dois semestres, mas a série será duradoura, na medida do êxito e sempre que  novos temas de competição sejam idealizados. O resultado esperado é a retenção dos bons docentes em atividade, o crescimento do prestígio social da carreira e a maior adesão futura de talentos à profissão. O lançamento do Concurso em si melhorará a qualidade do ensino médio público de imediato, pois os docentes em atividade se esforçarão por desenvolver trabalhos pedagógicos relevantes, visando a própria participação no certame. Podem ter todo esse impacto esperado, por exemplo, os Concursos para professores versando sobre: a) criação de jogos educativos (eletrônicos ou não) de caráter pedagógico; b) desenvolvimento e execução de  atividades criativas de envolvimento dos alunos com a comunidade; c) projetos de ciência e tecnologia desenvolvidos em suas classes; d) concepção de programas de computador visando a  educação a distância; e) idealização e aplicação de projetos de atividades pedagógicas em parceria com empresas;  f) criação e aplicação, com seus alunos, de projetos de economia solidária em comunidades carentes; g) idealização e execução,  em benefício de seus alunos, de projetos de empreendedorismo e colocação no emprego; h) elaboração, individualmente ou em grupo, de material didático para tópico(s) relevante(s) de determinada matéria ou temas interdisciplinares. Será também possível lançar Concurso(s) idealizado(s) de forma dirigida para professores desta ou daquela disciplina, cujos efetivos são mais deficitários ou no caso de falta de candidatos talentosos à  respectiva Licenciatura.  Ao longo do tempo, os temas podem ter complexidade crescente, por exemplo Concursos sobre trabalhos de criação de tecnologias sustentáveis realizados pelos docentes com seus alunos ou então a concepção, formulação e implementação de projetos que tornem o resultado de determinada política pública mais eficaz  para a comunidade em que se insere a escola etc etc. Cada um desses Concursos dará origem a rico material didático multimídia, utilizável para treinamento presencial ou a distância de professores, atuais e futuros, do ensino médio. Após alguns Concursos e uma pós-produção adequada do material, ter-se-á uma  coletânea dos projetos vencedores que se constituirá em excelente e abrangente curso de aperfeiçoamento de docentes em práticas pedagógicas. E montar-se-á, automaticamente, uma equipe de “craques” do magistério: serão os próprios vencedores e melhores colocados dos diversos certames, provavelmente residindo em vários locais diferentes, que poderão funcionar como rede capilar para realizar diversas tarefas importantes: atuar como propagandistas, instrutores e multiplicadores dessas coleções didáticas, dar treinamentos, palestras, participar de Seminários Operacionais. O material didático de qualidade, assim produzido, é passível de concorrer a financiamento dos programas de material didático do MEC. Há uma gama ampla de possibilidades dentro da lógica deste projeto, extensível a outros níveis de ensino e até para atingir mais diretamente os jovens talentosos que estão na fase de escolher a profissão. Com a continuidade, esta série de Concursos será um poderoso instrumento de política educacional. Independente, democrático, fundamentado no mérito.

5 comentários:

  1. Caro amigo,
    "Uma voz que clama no deserto..."!

    Estou deslumbrado com tamanho conhecimento de causa desvendado com tanta simplicidade e soluções perfeitamente aplicáveis. Peço a Deus que ilumine nossos agentes educacionais. Enquanto isto, continue a nos ilustrar com sua cultura e discernimento. Obrigado.

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    1. Caro Roberto: é bom ter um amigo para fazer comentários que estimulam a prosseguir. Quem sabe um dia aproveitam algo que escrevi...Abraços, Arlindo

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    2. Caro Junior: agradeço seu incentivo ao meu blog. Deserto ou oásis, tentarei sempre...Abraços, Arlindo

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  2. O Programa Fantástico, da TV GLOBO, iniciou em 16/03/2014, domingo, uma série de excelentes reportagens sobre escolas que propiciam um ensino de qualidade a seus alunos. O primeiro exemplo apresentado foi a Escola de Nível Médio de COCAL DOS ALVES, município do norte do Piauí, uma das regiões mais pobres do Brasil. A qualidade resulta da gestão competente e motivadora, do ambiente físico e psicológico adequado da escola e de suas conexões com a comunidade - que ela, a educação de qualidade, vai transformar a longo prazo em um polo de desenvolvimento. Com os primeiros resultados positivos dos seus alunos, no ENEM e nas Maratonas de Matemática, a escola deslanchou definitivamente e é um orgulho dos habitantes de Cocal dos Alves. Parabéns ao FANTÁSTICO, pois essas reportagens sobre escolas de sucesso farão, pela qualidade da educação brasileira, mais do que todos os ineficazes programas federais com o mesmo objetivo, em execução neste momento .

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